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domingo, 23 de outubro de 2011

Liberdade através do contrato

A principal ligação que existe entre o Direito e a Economia se dá através do contrato. Apesar de a noção de contrato, como o conhecemos hoje, ter surgido tardiamente, ainda hoje, tem como principal função a mesma da época moderna.

O contrato surge com a necessidade que o mercado impunha, a fim de se garantir maior segurança jurídica, quanto a perduração da posse de algo. Desse modo, o direito a propriedade está intimamente ligado à garantia de liberdade.

O (pré-)capitalismo da época anterior tinha um caráter predominantemente político, obedecendo interesses pessoais, impedindo assim, a padronização jurídica (contratual). Com o advento do dinheiro, há a difusão da realização do contrato moderno, pois neste tipo de relação econômica não há interesse pelo conteúdo subjetivo das partes. O maior exemplo atual é a compra pela internet.

Mas não apenas o Direito, na forma de contratos é suficiente para garantir essa liberdade. O Estado,entendido como pessoa jurídica, garante maior segurança para realização dos contratos, mas este Estado deve estar submetido ao Direito, justamente organizado, dividido e exercido pela vontade do povo, para assim poder impor e garantir tais liberdades. Nas palavras de Locke, delimita-se o campo da liberdade de todos, restringindo-a no mínimo, a fim de que cada um permaneça livre no máximo compatível com a vida social.

Contrato: entre a liberdade e a obrigação

A liberdade de contrato, no sentido de liberdade que cada individuo possui para celebrar contratos, pode ser encarada como uma característica que confere ao contrato da sociedade atual um carater libertário. É importante ressaltar que a referida liberdade nem sempre existiu, principalmente nas relações entre patrão e empregado, estabelecidas em muitas das sociedades antigas por meio de conquistas militares.
A liberdade contratual também pode dizer respeito aos assuntos que podem receber proteção jurídica por meio de contratos. De acordo com Weber, “A extensão da liberdade de contrato, isto é, dos conteúdos de acordos jurídicos garantidos como válidos pelo poder coativo (...) é naturalmente função, em primeiro lugar, de uma ampliação do mercado.” Em complemento à citação em questão, é digna de nota a influência da cultura e do interesse social na delimitação da extensão da liberdade de contrato. As referidas influências da cultura e pode ser observada no Direito Contratual brasileiro. O Código civil brasileiro de 1916 estabelecia que nos contratos deveria haver a primazia da autonomia da vontade com vistas à promoção da igualdade formal, princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei. Com o passar do tempo, percebeu-se que embora a igualdade formal fosse promovida, os indivíduos continuavam materialmente diferentes. Com isso surgiu a demanda pela igualdade material, que se tornou um princípio que norteou os contratos regulados pelo Código Civil brasileiro de 2002, que revogou o anterior datado de 1916. Em seu art. 421, o diploma civil de 2002 estatui que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, o que demonstra a influência do interesse social na delimitação de assuntos que podem ser objetos de contrato.
Entretanto, não podemos esquecer que o contrato não é caracterizado apenas pela liberdade. Por vezes através de contratos, cria-se obrigações entre os contratantes. Ao não cumprimento dessas obrigações, comumente cabem sanções, por exemplo sob a forma de multa. Apesar de poderem ter influência sobre a escolha dos indivíduos-atentando assim contra a liberdade de escolha- tais sanções se revelam necessárias ao contrato, cujas cláusulas se tornariam meras promessas se não houvesse penalização em caso de descumprimento.

Liberdade contratual

No direito romano não havia essa concepção de contrato que temos hoje, formalizadora. Os romanos tinham seu sistema ‘contratual’ baseado na tipicidade, sem atingir a concepção de contrato como meio instrumental e autônomo. Porém, é preciso ter em mente que a sociedade na qual estavam inseridos ao comportava as condições para a configuração do contrato.

Na Idade Média, segundo o direito canônico, as obrigações jurídicas deviam assimilar-se aos deveres morais e que, portanto, a palavra dada devia ser mantida e a mentira, sancionada. Isso foi a base para que o pensamento por traz do contrato fosse legitimado, sendo favorecido com as novas exigências do comércio nascente. O proprietário precisa ser livre para fazer circular sua riqueza, como bem lhe convier. O contrato seria o instrumento dessa circulação e, assim, manifestação da liberdade individual. Essas noções possibilitam a expansão do capitalismo. Como exemplo, temos a própria libertação da propriedade do feudalismo, que teria um significado muito reduzido se não fosse acompanhada pela possibilidade de circular os bens, assegurada pelos contratos.

Por fim, o tempo do laissez-faire. O mercado é comum a todos. A idéia de que as relações se equilibram no mercado faz do contrato o instrumento jurídico por excelência da vida econômica, apoiando-se na liberdade, mas pressupondo, como condição operacional, também a idéia de igualdade.

Então, com os contratos atuais, é atribuída ao indivíduo a possibilidade de criar situações de direito subjetivo. A autonomia privada é vista como um poder de regulamentar os próprios interesses, dentro de determinados parâmetros. Tais barreiras à livre-determinação contratual são de vital importância para a manutenção da estabilidade de toda a sociedade. A auto-regulamentação manifesta-se no campo do direito contratual. O contrato é, por excelência, o instrumento da iniciativa privada.

O fato de os contratos determinarem o agir, por meio de compromissos passíveis de sanções no caso de violação, aparenta certo cerceamento, uma vez celebrado. Isso abre brecha para afirmações relativas ao poder de dominação dado aos mais poderosos por meio dos contratos. Porém, por outro lado, permitem a estabilidade de inúmeras relações sociais e econômicas, aumentando conjuntamente as possibilidades do agir ao trazerem a segurança necessária. Percebe-se assim a importância da existência dos contratos na sociedade, tanto no decorrer da história, quanto nas relações existentes atualmente, baseadas em suas determinações.

No fio do bigode.

Houve uma época, por volta dos anos 1920 e seguintes, que a ausência do direito materialmente falando, a falta dos moldes legais para o estabelecimento das relações em regiões afastadas no brasil, fez surgir uma forma diferente para o estabelecimento dos contratos: os homens firmavam seus contratos dando como garantia um fio do bigode, como mostra a letra de Lourenço e Lourival:

“[...]Eu calculo a minha idade pelo regime que eu fui criado

Sou do tempo que o homem negociava de olhos fechado

Dispensava assinatura papeis carimbo e papo furado

Enquanto o fio do bigode era um documento assegurado,

Quando palavra de um homem tinha valor elevado, valia

Dez vezes mais que um milhão de papeis assinados [...]’’

O fio do bigode levava o simbolismo da honra, do respeito e da certeza de cumprimento da palavra. Ia além do racional, porque assumia uma outra alma calcada em elementos afetivos e de manutenção do status familiar que ia de boca em boca.

Ao contrário, o estabelecimento dos contratos hoje são puramente econômicos, não importa se as partes se desconhecem, se são representadas ou se tem um histórico de imoralidade. Pra todos resta o direito, como guardião de padrões mínimos de estabilidade.

Um contrato, portanto, não é símbolo de liberdade, e sim a pressuposição da má-fé. Institui- se um já pensando na prova que este representará em juízo caso não seja cumprido. Seriam os contratos mais uma forma de perceber que estamos nos individualizando cada vez mais?

Contrato e liberdade: relação contraditória

Por mais contraditório que se pareça, somente o disciplinamento das relações sociais pode garantir alguma possibilidade de liberdade aos indivíduos. Essa disciplina, em termos de mercado, é atingida através da celebração de contratos. Com a proteção do Direito sobre um pacto, fica assegurada a coação do Estado em caso de desobediência de suas cláusulas.

O próprio contrato social - tema abrangente da ciência política - demonstra a necessidade humana por uma proteção especial sobre os pactos realizados entre indivíduos. As pessoas abrem mão de direitos para estarem protegidas sob o arcabouço jurídico criado pelo Estado. É daí que vem a suposta contradição: é necessário abrir mão da absoluta liberdade para ter garantida uma liberdade parcial.

Por exemplo, no Brasil as pessoas são impedidas de celebrar um contrato de venda de um órgão de seu próprio corpo. Tal proibição impede a desordem social que seria causada pela possibilidade de se ganhar dinheiro através da disposição de uma parte do organismo. A imaginação nos permite notar o grande problema de saúde pública que isso causaria. Se o Estado tivesse que aumentar seus gastos com saúde pública por tal motivo, a população teria que pagar mais impostos, caso contrário o investimento em outras áreas ficaria prejudicado. O total livre-arbítrio de uns, causaria transtornos a outros.

A liberdade de contrato abordada por Weber, então, é limitada. O limite estabelecido pelo Direito visa alguns interesses, como a manutenção da ordem social, por exemplo. Porém, quanto mais se ampliam as liberdades, mais os detentores de maiores condições são beneficiados, como numa estrada pedagiada; a liberdade de ir e vir é mantida, a velocidade da via é ampliada, dadas as melhors condições de tráfego, porém dificulta a transporte de quem é desfavorecido financeiramente. Relações desse tipo de dão com contratos protegidos pelo Estado. A concessionária assina com o governo, que obriga o cidadão que transitar por aquela estrada a pagar a taxa - o não pagamento implica em uma sanção. Pode parecer que a cobrança do pedágio, então, impeça a liberdade de locomoção para alguns. No entanto, a estrada sem manutenção impediria a locomoção de todos.

O contrato, portanto, é uma ferramenta do próprio capitalismo, sem a qual ele se tornaria inviável. É propriedade do Direito que dá ao homem a segurança necessária para que ele realize suas opções, suas escolhas. Mais que aos indivíduos, os pactos protegidos pelo arcabouço jurídico garantem a ordem na sociedade moderna.

Uma questão de valores

Quando se fala no capitalismo é necessário pensar quais são os fundamentos essenciais desta matéria. Podemos citar várias mas restringiremos à política e as relações econômicas entre indivíduos através da celebração de contratos.
Antigamente, as relações sociais eram mais politizadas e menos fundamentadas na economia como hoje. No feudalismo por exemplo, só tinha direito de usufruir do trabalho aquele que não trabalhasse, ou seja, os servos , artesãos e outros não tinham o direito de usufruir de seu próprio trabalho, somente nobres, sacerdotes e senhores feudais os possuiam. Foi a burguesia que reinvindicou essa tese e por isso encaminhou ou foi parte fundamental na criação do contrato econômico escrito. Este garantiria o direito de aproveitar-se do próprio trabalho. Surge aí a primeira definição de contrato: garantia de direitos individuais. Para a formalização dos contratos, então, seria necessário de um arcabouço normativo jurídico que poderia se dispor a diversas sociedades. Apesar disso, surge um dilema de como funcionaria esta situação econômica, isto é, se engendraria, apenas, possibilidades de emergências de algumas formas jurídicas. Para exemplificar, peguemos os países islâmicos, ou, mais especificamente, os Emirados Árabes. Apesar dos suntuosos edifícios e toda tecnologia, o que predomina no plano interno é a cultura e a religião, sendo a economia uma terceira via nas relações sociais.
Com o advento da moeda, do dinheiro, muda-se o paradigma: direito falado e o direito escrito. Antigamente os contratos eram celebrados por meio da palavra. Quando não cumpridos a cobrança se dava por meios 'mágicos'( suicídios, perseguição pós mortem, etc). Às vezes o corpo do próprio devedor era tido como penhor nos casos de responsabilidade patrimonial. Já na sociedade pós-moderna pelo fato das maiorias dos contratos possuirem questões econômicas, e pelo fato do capital ser volátil, instável, torna-se indispensável a criação de um instrumento normativo que evite a perda ou diminua os riscos. Além de ser uma garantia de direitos, agora o contrato se torna um documento que garanta a estabilidade, ou que garanta o ressarcimento de danos, por exemplo. Podemos pegar a palavra Investimento, tanta usada na economia, na língua castelhana a qual é traduzida como: INVERSIÓN- ou seja, aquilo que eu inverto em patrimônio ou em moeda.
O que passa a valer é o TER e não o SER. Ou seja, o indivíduo vale mais pelos seus bens materiais e por suas posses do que pela sua essência. Foucault complementa toda a visão aque exposta(weberiana) de que "não há sujeito, mas sim o lugar do sujeito". Assim, o sujeito não vale somente pelo que tem , mas também por sua posição heirárquica na sociedade.

Sartre, Smith e Weber. Da liberdade garantida pelo Direito ao Livre-arbítrio econômico.

Logo no início de qualquer discussão sobre liberdade, o pensamento nos remete à J.P. Sartre. Sua filosofia propõe que a liberdade existe no momento da decisão. A liberdade seria, em si, o ato de decidir, de negar uma alternativa e testificar outra. Este ato é a essência da liberdade. Não se limita a isso a discussão de Sartre, ainda reflete que a liberdade do homem não depende dos outros, mas o engajamento com o todo faz com que provem da escolha deles e o obriga a desejar a liberdade dos mesmos.

Desse modo, o ponto é a liberdade de escolha. Livre-arbítrio este baseado na certeza de ser assegurado ao homem os seus direitos e deveres, alicerçada na ideia de realizar sua vontade na medida da liberdade do outro. A liberdade desde os gregos criou seus contornos nos limites da concepção politica e jurídica, a certeza contratual.

A economia de mercado traz todo este pressuposto. Para Adam Smith a economia de mercado só acontece numa sociedade livre, onde cada pessoa busca apreciar seu interesse pessoal. Daí a importância das relações jurídicas serem intercedidas por contratos, tanto no sentido da conservação do poder de apropriação quanto no de sua transferência. A economia capitalista é contratual.

É uma ideia formulada por Max Weber a de que o direito deve contribuir para a previsibilidade do cálculo econômico. As principais características do direito que o torna favorável às relações capitalistas é a abstração, ou seja, a generalidade e impessoalidade (igualdade formal). Para Weber o racionalismo essencial para o capitalismo de encontra escrito e corporificado no direito.

O racionalismo evolui historicamente juntamente com o seu comportamento o que implica em substituir a submissão ao costume pelo planejamento de situações objetivas e certificadas. O papel do sistema jurídico racional-formal na previsibilidade decorre de esse molde de direito ensaiar condições de garantia jurídica e a possibilidade dos agente econômicos conhecerem antecipadamente o efeito de suas ações e decisões. A existência do cálculo econômico quanto ao uso da moeda e do capital exige previsibilidade não apenas com relação ao cálculo em si, mas também com relação ao procedimento dos agentes e às decisões das autoridades na aplicação do direito.

A segurança, portanto, permite que o homem expanda seus domínios e realize suas possibilidades, contemplando então a fala de Sartre: “O homem é um ser apenas possível. Existo à medida que transformo esse possível em real.”


Escolhido o Tema 1: Contrato = Liberdade (?)