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domingo, 23 de outubro de 2016

"Porque há o direito ao grito. Então eu grito." - Lispector, Clarice.

Quando se refere ao movimento LGBT, muitos são os prejulgamentos e as formas de maledicência. Hodiernamente, ainda é possível se observar a falta de compreensão, e até mesmo de estima, de grande parte da sociedade no que diz respeito, principalmente, a transexualidade. Muitas das vezes, os transexuais são menosprezados, até mesmo por entes próximos, ou marginalizados por não serem considerados dentro dos padrões conservadores impostos por tanto tempo.
Primeiramente é importante se conceber que a transexualidade diz respeito a indivíduos cuja a identidade de gênero é distinta daquela manifestada no nascimento, por tanto, estes buscam, por meio de intervenção médica, a transição para o gênero oposto.
O caso proposto no julgado trata exatamente de uma “Transexual que pleiteia cirurgia de mudança de sexo, bem como alteração do registro civil, para constar novo nome e modificação do sexo masculino para o sexo feminino. [...] A parte-autora, de corpo físico com as características masculinas, sente-se psicologicamente mulher”. Há pela parte-autora o pedido para cirurgia de alteração de sexo subsidiada pelo SUS, alteração do prenome e do gênero sexual.
É importante se ressaltar alguns fatos. A parte-autora se reconheceu como menina desde os 7 anos: “desde os 7 anos de idade, percebeu que, apesar de nascer com os atributos do sexo masculino, sentia-se desconfortável quanto ao sexo biológico, porquanto psicologicamente pertencia ao SEXO FEMININO”. Passou a ingerir hormônios a partir dos 15 anos “a partir dos 15 anos de idade, passou a parte autora a ingerir hormônios, a fim de que os seios crescessem, bem como impedir ou retardar o crescimento dos pelos, para, fisicamente, melhor assemelhar-se às mulheres”. E foi sujeita a diversos tratamentos psicológicos e psiquiátricos: “cujas conclusões são no sentido de que a parte-autora está segura quanto à realização da cirurgia de mudança de sexo.”.
Referente ao que foi pleiteado pela parte-autora, o juiz redarguiu favoravelmente, tendo válido sua deliberação em artifícios juridicamente previstos, seja pelo Código Civil ou pela jurisprudência, para afirmar o direito da personalidade para disposição do próprio corpo.
Há, de acordo com o intelectual, jurista e economista alemão Karl Emil Maximilian Weber, duas formas distintas de se considerar este caso.
A primeira se dá de modo a defender os objetivos pleiteados pela parte-autora. Weber considera que a racionalidade material “significa precisamente que as decisões de problemas jurídicos sofrem a influência de normas com dignidade qualitativamente diferente daquela das generalizações de interpretações abstratas do sentido: imperativos éticos, por exemplo, ou regras de conveniência - utilitárias ou de outra natureza - ou máximas políticas, que rompem tanto o formalismo das características externas quanto o da abstração lógica. ”. Deste modo, a decisão favorável à parte-autora poderia ser vista como uma “decisão de problemas” levando em conta os valores, visto que a parte-autora possuí inquestionável poderio a uma vivência plena de acordo com o que lhe for agradável (que no caso seria ser reconhecida como mulher, fisicamente e juridicamente). Uma vez que está decisão não afetaria a outrem, do ponto de vista weberiano, isto poderia ser considerado como completa independência das partes. Por fim, tendo o liberalismo como um princípio básico, levando em conta que o direito não deve ser interferir no ilustre direito à liberdade, a parte-autora tem como direito se tornar aquilo que lhe fará feliz: “Permitir, pois, que o transexual viva, em plenitude, a sua vida, significa dar-lhe liberdade. Dar-lhe liberdade é desaferrar-lhe das amarras que o evitam ser feliz”
Por outro lado, do ponto de vista weberiano da racionalidade formal, seria considerável a manutenção de padrões calculáveis das ações e seus efeitos. Deste modo haveria a redução do julgamento a princípios tecnicamente pré-determinados e estabelecidos conforme uma lógica interna. Os padrões heteronormativos seriam, assim, sobrepostos a vontade da parte-autora, e seu pedido seria negado, o que realmente ocorreu na sentença de segunda instância deste julgado.

É indispensável se empenhar na consciencialização e promoção da diversidade das culturas baseadas em identidade sexual e de gênero, de forma que a sociedade possa incorporar os indivíduos que, ainda, são marginalizados. O direito à liberdade e igualdade deve ser cardeal em relação aos demais, a fim de que não se impossibilite a nenhum individuo a existência plena, feliz e segura. A desconstrução de estigmas e preconceitos é o primeiro passo para essa inclusão.



(Isabela Rafael Soares, 1º ano de Direito Noturno)

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