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quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Entre Fossos, Anzóis e Peixes

O contrato social, assim como o Direito, pela óptica de Boaventura de Sousa Santos, é uma produção de regulação e controle social, busca manter um certo status quo que agrade a classe que o produz, a classe que está por trás da ideologia fundante dessa realidade. Dessa forma, as classes menos favorecidas no quesito econômico e de inserção social se encontram desfavorecidas nesse contrato social, sendo seu meio de resposta e emancipação as lutas sociais, tal como a segurança de um salário mínimo e férias remuneradas. Isto é, a busca por um intersecção entre regulação (proveniente do direito preestabelecido) e emancipação (dada pelas lutas sociais das classes desfavorecidas no contrato vigente), bem como traz o referido autor em seu texto “Poderá o Direito Ser Emancipatório?”.
Ainda apoiado na exposição de Boaventura, tem-se a manifestação do fascismo social, ou seja, uma dominação explícita de um grupo sobre o outro, cria verdadeiros “castelos neofeudais” em que há um enorme fosso impedindo o transito e intercambio entre esses grupos. Esse fosso materialmente pode ser pequeno, não ultrapassando o limite de poucos quilômetros, mas quando se analisa os fatos, essa barreira é intercontinental. Com finalidade elucidativa tem-se o exemplo do Campus da Unesp Franca e o bairro francano Vila Gosuen, ou mais popularmente “Puxa-Faca”, isto é, de um lado um centro de produção a transmissão de conhecimento, de outro um centro de violência e abandono social. Beira a utopia sonhar com a absorção dos jovens residentes desses bairros (jovens em sua maioria negros, estudantes da rede pública e trabalhadores desde uma idade mínima “semi-aceitável”) pela universidade estadual residida em Franca, isto é, falta a esses o chamado capital cultural, falta o incentivo e a representatividade de seus iguais, ou aqueles que eles têm por iguais, dentro da instituição.
Visando sanar essa falta de representatividade universidades brasileiras tomaram a atitude pioneira de estabelecer um programa de cotas para alunos desfavorecidos em relação à ampla concorrência do vestibular, como a cota para o ingresso de negros. Com isso, o Partido Democratas, em 2009, buscou maiores explicações em relação à legitimidade legal desta última estabelecida na Universidade de Brasília, argumentando que tal medida era inconstitucional, contrariando princípios constitucionais, como o da igualdade, ao privilegiar alguns durante o processo seletivo entrou com o pedido ao poder judiciário de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (a qual denominou-se ADPF 186). Após análise do Supremo Tribunal Federal determinou-se que o sistema de cotas é válido e legítimo, uma vez que busca efetivar os direitos de igualdade e cidadania previstos na Constituição Federal de 1988. Tal decisão se torna importante uma vez que empodera todo um seguimento social, dá lugar de fala a quem se encontrava até então calado, dá esperanças de um futuro diferente não só para o jovem que ingressa na universidade com o auxílio de cotas, mas também por todos aqueles que o cerca.
“Não adianta dar o peixe, tem que ensinar a pescar” era uma das mais recorrentes argumentações que se fazia quando o intuito era se opor ao programa “Bolsa Família” há cerca de uma década atrás, quando o tema estava em árdua discussão, referindo-se à produção de uma população acomodada que vive nas custas do assistencialismo governamental. Com o programa de cotas, enquanto uma ação afirmativa, ensina-se a pescar, coloca o anzol na vara do cidadão, isto é garante uma especialização profissional e uma bagagem de conhecimentos que propiciará o desenvolvimento social, cultural e econômico do indivíduo em conjunto com seu grupo social. Dessa forma, a população que está de fora do “castelo neofeudal” passa a pescar em seu fosso, a quebrar as muralhas que os mantem de fora, ao mesmo tem em que se emancipam de tudo aquilo que os prendem à uma realidade degradante e em certo ponto inferior. O importante é não parar as lutas com a conquista do sistema de cotas, mas evoluir a educação e as possibilidades garantidas ao amplo público, cotas são uma medida paliativa, a estática desse movimento significa a transmutação desses novos pescadores em peixes, como diz o rapper Criolo “é que o anzol da direita fez a esquerdar virar peixe”, ou seja, permanece, dessa forma, o controle das classes sociais beneficiadas pelo contrato social sobre aquelas que não estavam presentes no momento de sua produção.

Felipe Cardoso Scandiuzzi - 1ª ano - Direito Matutino  

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