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quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Narrativas de exclusão, o direito e a discussão de cotas raciais no contexto brasileiro.



Ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 186, o Supremo Tribunal Federal reconheceu não só a constitucionalidade das cotas raciais nas universidades e cargos públicos ou privados, mas também o papel do Estado na desconstrução de uma narrativa excludente.
É interessante notar a convergência da regulação e emancipação do Direito, ao mesmo tempo em que há um embate de narrativas. Como dizem Fabiana Luci Oliveira e Virgínia F. da Silva, em especial no que tange os discursos em julgados, “Nas narrativas estão contidas representações sociais e estas exprimem realidades coletivas, são coisas sociais e produto do pensamento coletivo”¹, assim, esse embate de narrativas é fruto da heterogeneidade dos grupos sociais, e é saudável para o Direito que exista, de modo a acarretar em sínteses melhor adequadas, elaboradas, ou eficazes para o problema enfrentado.
            Ainda, no que se refere aos discursos empregados, é importante notar o viés de negação do problema racial em alguns trechos da ADPF, chegando a afirmar “[...] que, no Brasil, ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro [...]”², fato demostrado em inúmeras pesquisas, livros e discussões sobre o assunto, inserindo essa narrativa no chamado “mito da democracia racial”, já que, apesar de não ter havido discriminação legislativa na maior parte do país, a situação de desvantagem de negros em relação a brancos no imaginário coletivo foi construído e mantido por séculos em reportagens, conversas, discussões, donde se vê até hoje seus efeitos (baixa representatividade de pessoas negras em cargos de alto prestígio social, maior taxa de encarceramento, salário menor em relação a colegas brancos que desempenham uma mesma função, etc) – é mítico acreditar que esses efeitos negativos numa camada especifica da população se deve a diversos outros fatores menos da condição racial. Lembrando, porém, que raça é apenas um recurso metodológico utilizado nessas discussões, já que não encontra respaldo científico, apenas social (é uma ferramenta demonstrada de exclusão social, que, no contexto brasileiro, se construiu com base em fenótipos, ou seja, na aparência externa do indivíduo, estabelecendo uma pigmentocracia entre a população – aqueles de pele mais clara e traços mais caucasianos, como nariz fino, lábios pequenos, cabelos lisos, etc., têm melhor inserção social do que aqueles com traços diversos, ainda que dentro da mesma camada econômico-social, que para Boaventura de Sousa Santos poderia ser identificado como um problema pré-contratualista, já que é prometido, no discurso cotidiano, ascensão social a todos os grupos que se esforçarem, não importando sua cor de pele, gênero, orientação sexual, condição física ou mental.
            Outro problema identificável nas narrativas contrárias à implementação de cotas raciais é a dificuldade em lidar com uma possível existência de medidas imediatistas e paliativas e medidas que pudessem inserir todos num mesmo patamar de oportunidades. Quanto a isso, os ministros do STF identificaram importância e oportunidade de implementação da discussão nos círculos sociais quando há implementação de políticas de ação afirmativa, tornando o problema da exclusão social mais palpável, realista, alcançável, já que camadas populacionais que outrora não teriam tanto contato entre si poderão construir essas narrativas em conjunto.
            Por fim, no âmbito legalista, como primeiranista não considero ter referenciais suficientes para entrar nesse mérito, me restringindo a lembrar que a legislação brasileira já possuí, além de fundamentos constitucionais para a existência de ações afirmativas (como interpretado no julgamento da ADPF 186, por exemplo) e tratados internacionais por nós retificados, legislação ordinária tratando do tema (lei 12.711/2012), a ser revisada em 2022, conforme a mesma, concluindo que, ainda que não realize pretensões de grupos diversos a implementação das chamadas cotas raciais, o Estado Brasileiro atualmente as adota, tendo assumido compromissos internacionalmente para combater o preconceito racial no país, podendo essas medidas serem interpretadas como um modo de combate, utilizando o direito para correção de desigualdades.

- Tatiane E. Lima, 1º ano de Direito - Matutino

¹ OLIVEIRA, Fabiana Luci; SILVA, V. F.. “Processos judiciais como fonte de dados: poder e interpretação”. Sociologias (UFRGS. Impresso), RS, p. 251, 2005.
² ADPF 186/2009, fls. 28.

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