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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O útero é da mulher, não da sociedade

O direito deveria supostamente agir como um protetor e guardião dos direitos sociais da população, garantindo bens como a vida, a liberdade e a dignidade de um indivíduo. No entanto, quando se trata de uma gravidez indesejada ou com má formação do feto, que não trará nada além de sofrimento e dor, tanto para a família quanto para o bebê, as bancadas religiosas conservadoras não parecem se importar em violar tais direitos, pregando, ironicamente, discursos pró-vida. O curioso é a força da influência religiosa em tal decisão, já que o Brasil se pronuncia como um Estado laico em sua Constituição Federal.

O aborto de anencéfalos, discutido pelo STF no julgado da ADPF 54, mostra como o direito pode sim, com esforço e persistência, seguir a ideia de Bourdieu e fugir do instrumentalismo (o direito como instrumento da classe dominante), agindo a favor da minoria feminina e seus direitos, especialmente aquelas de baixa renda que não tem condições de realizar o aborto em uma clínica de qualidade. A criminalização do aborto não impede que ele ocorra, apenas pune as mulheres pobres que não tem condições de pagar uma boa clínica e morrem negligenciadas, já que sua ilicitude não impede que milhares de abortos sejam feitos todos os dias. Dessa forma, não se acaba com um problema, mas na verdade cria-se outro bem mais grave.

Com a descriminalização do aborto, não só nos casos de anencefalia como discutido no julgado, mas em todos os casos, a mulher teria de volta sua liberdade de escolha e a autonomia sobre seu útero, que não existe em favor dessa sociedade patriarcalista. O aborto seria uma questão de saúde pública e as mulheres gozariam do direito de decidir sobre a interrupção ou não da gravidez, enquanto o Estado daria todo o suporte médico necessário. A negação desse direto (e muitos outros) às minorias, no caso tratado às mulheres, é fruto da violência simbólica de que trata bourdieu, a qual faz com que uma ideologia dominante, carregada de valores e preconcepções enraizadas, seja utilizada para a submissão e opressão de grupos minoritários, os quais deveriam ser protegidos pelo plano jurídico.

Como afirma Bourdieu, o direito deve, ao invés de se prender àquelas velhas e ultrapassadas concepções que aprisionam e cimentam o desenvolvimento social, moldar-se de acordo com a realidade vivenciada e as necessidades da sociedade moderna, sendo um direito dinâmico, não estático. Por isso, a legalização do aborto nos casos de anencefalia do feto configura-se em uma grande vitória no campo das conquistas sociais pelo meio jurídico, mas não significa que a luta acabou, pois ainda há um longo caminho a ser trilhado até que o direito seja plenamente emancipatório, cumprindo sua função social.


Letícia Rodrigues Santana  1º ano direito - Noturno

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