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sábado, 27 de agosto de 2011

Direito, expressão da razão

A principal característica da modernidade é sua pluralidade, diferenciações sociais: instituições, ideologias, partidos, classes... assim como o corpo humano se compartimenta em sistemas, órgãos, células... que ao funcionarem em conjunto, um complementando, auxiliando ao outro possuem uma relação de dependência, as sociedades modernas, na perspectiva de Durkheim, produziriam uma solidariedade orgânica, capaz de combater a consciência coletiva por meio da arte contratual do Direito.


Contrariamente a Marx, que acreditava que a enorme diferenciação social levaria ao conflito, Durkheim advoga que as variadas formas de se enxergar a realidade tendo em vista o cumprimento da função e divisão social do trabalho só levariam a harmonia na medida em que geram dependência; esta submetida ao contrato, o qual permite que as indivudualidades se estabeleçam, efetivando assim a solidariedade orgânica.


A consciência coletiva que busca impor a toda sociedade um único pensamento, sinônimo da irracionalidade é combatida pelo Direito,visto que ao assimilar as diferenças, este gera agregação, coesão e racionalização social. Analogamente ao sistema nervoso que regula as funções do corpo, o Direito regula as relações sociais nas mais diversas e específicas situações; agindo no refreamento das passionalidades (paixões) sociais; constituindo-se como elemento imprescindível para conquista da harmonia e equilíbrio da sociedade.

A influência da sociedade no direito e vice-versa


Tema: O direito como refreamento das emoções humanas

O crescimento populacional, o desenvolvimento urbano, o avanço das ciências e tecnologias, teve grande reflexo no modo de organização do trabalho, resultando em uma divisão do trabalho mais acentuada, em que o trabalhador está cada vez mais especializado em sua área, mas, entretanto, pouco conhece em relação às demais funções de seus companheiros de trabalho.

Essa divisão do trabalho, especialização das funções e uma maior dependência entre as partes de um todo, são algumas das características da solidariedade orgânica, assim nomeada por Durkheim por analogia aos organismos vivos, compostos por diferentes órgãos, em que cada um exerce determinada função e há a dependência de uma parte para com as outras, para que o todo funcione.

Tais mudanças foram significativas também para o direito, que passa a ser cooperativo, regido por contratos, tendo as relações mútuas são a base para o seu funcionamento, já que, para que um possa adquirir algo, é preciso que o outro abra mão do direito de aquisição do mesmo. O direito deixa de ser movido em função das emoções e sentimentos humanos e passa a ser mais lógico e movido pela razão.

A partir de então, o direito passa a ser considerado com um freio para as emoções humanas, porque ele para de trabalhar em função delas, por pior que tenha sido o crime cometido, o direito tem apenas a função restitutiva, a de repor a ordem. A imposição de sofrimento proporcional ao dano causado deixa de existir, e passa a ser aplicada uma pena baseada nos códigos de direito, os quais têm como princípio a razão, levando em consideração apenas uma pequena parte dos sentimentos tanto daquele que sofreu o dano, quanto da sociedade em geral.

A maior técnica racional?

Com o advento da razão moderna, derivada pela influência de grandes intelectuais como Descartes e Bacon e de movimentos culturais como o Renascimento e a Reforma Protestante, pode-se afirmar que sociedades primitivas dão lugar às complexas. Nessas sociedades, devido à maior particularidade intrínseca, cada indivíduo integrante tem o seu próprio distinto ofício, sendo que estes se complementam. Essa suplementação de tarefas gera uma solidária coesão social. Assim, consegue-se entender a concepção de solidariedade durkheimeana. Essa solidariedade é orgânica, não mecânica como nas sociedades primitivas. Naquela, a diferença, nos diversos campos na qual se faz presente, é elemento dominante para concretizar-se.

O Direito insere-se nesse campo da solidariedade orgânica, uma vez que, a complexidade das tarefas individuais requer sanções especializadas. Em oposição ao Direito agressivo das sociedades primitivas, há a presença do Direito restitutivo, cuja tarefa é de regular as funções do corpo social e repor a ordem. Desse jeito, pode-se notar que o Direito expressa uma técnica racional, e não um estado emocional. Porém, contraditoriamente, ele é força da sociedade que não consiste em servir, mas em não prejudicar. Dentro desse quadro, há nas sociedades complexas a definição dos espaços, ou seja, da estipulação de um respeito mútuo entre os cidadãos. Do mesmo modo, seus direitos são uma concessão mutua um limite dos próprios direitos.

Essas características do próprio Direito das sociedades complexas derivadas da razão moderna expõem o quanto aquelas avançaram ao longo do tempo em relação as suas anteriores. Todavia, como já demonstrado nos textos sobre a solidariedade não orgânica, mas mecânica, ainda há resquícios de práticas e pensamentos nas coletividades atuais advindas de um rude passado. Bastaria ao Direito o papel de minimizar os efeitos desses traços culturais a fim de permitir que as sociedades possam progredir e resolver seus conflitos de maneira mais veloz e prática. Uma solidariedade recíproca provida de todos os indivíduos teria um importante papel nesse rumo. Muito possivelmente isso seja uma utopia positivista, mas seria uma boa ilusão.

A CIENTIFIZAÇÃO DO DIREITO


O direito, na modernidade, exerce um papel de suma importância, pois atua como um agente que representa e media a razão moderna. Com a queda do Antigo Regime e a implantação dos primeiros Estados de Direito a população começou a ver, pela primeira vez, a efetivação das suas crenças e desejos através da ordem estabelecida, fato que veio a se avolumar após a ampliação do sufrágio até a universalidade.

Com o aparecimento dos códigos e da constituição moderna, além da contribuição juspositivista, o direito alcançou uma cientificidade que jamais experimentou antes. As leis escritas representam, em um Estado Democrático, a vontade da população, que antes era interpretada por letrados, que nem sempre ditavam a verdadeira vontade popular. Agora todo esse sistema de princípios e vontades da população foi garantido pela supremacia das constituições, que tutelam e protegem os preceitos nacionais.

Podemos dizer, assim, que o ordenamento jurídico garante a efetivação da vontade popular, sem o risco de criação normativa individual. Porém apesar do atual sistema jurídico tutelar os direitos e deveres dos cidadãos existem exceções, como é o caso de ditaduras e de governos antidemocrático, por isso que só podemos dizer que o direito legitima a razão moderna quando este vem acompanhado dos princípios democráticos que devem nortear todas as nações.

Da mesma maneira que o juspositivismo contribuiu para a criação da Ciência do Direito, onde as normas jurídicas devem ser interpretadas, mas jamais negadas, ele também criou gerações de simples leitores de leis. Parece-nos, portanto, mais apropriado um juspositivismo consciente dos anseios e valores da sociedade. Assim podemos dizer que uma teoria que abarca o conceito e a interpretação jurídica de maneira mais adequada é a do jusfilósofo brasileiro Miguel Reale. Em sua Teoria Tridimensional do Direito os aspectos sociais, morais e jurídicos possuem igual peso na determinação do direito, constituindo, respectivamente, fato, valor e norma.

É inegável também a contribuição das teorias críticas para a compreensão atual do direito. É claro que, mesmo em um regime democrático, as classes dominantes possuem um maior poder político, e, dessa maneira, contribuem para a criação de leis para o seu próprio privilégio. Todavia devemos nos lembrar de que o direito não é apenas isso, pois se os desejos da sociedade e os seus valores não fossem representados ele perderia a legitimidade e cairia impotente diante às forças sociais.

Direito: a Racionalidade Social


O Direito, nos Estados Democráticos, é a expressão da consciência coletiva, a razão vista sob o aspecto dos ideais sociais e das crenças comuns. Sua legitimidade e aplicabilidade se dá em virtude de emanar justamente da sociedade, de suas vontades e necessidades. Em vista disso, está constantemente sujeito a todo tipo de modificação, sendo gradual na medida em que a sociedade se transforma e muda seus valores.

Pelo fato dos indivíduos serem, muitas vezes, suplantados por sentimentos passionais, dependem de um ente mediador de desentendimentos, de conflitos e choques, um ente intermediário e neutro, que funcione como racionalizador das expressões passionais e ao mesmo tempo, mantenedor da ordem e da coesão social: o Direito.

Émile Durkheim, em sua obra " A Divisão do Trabalho Social", afirma que "a primeira condição para que um todo seja coerente é que as parte que o compõem não se choquem em movimentos discordantes”. Dessa forma, a concessão mútua no acordo para a criação de um princípio Magno regulador das relações sociais e, de certa forma, delimitador, é o ponto de partida para o bom convívio social e o surgimento da solidariedade, de acordo com Durkheim, positiva: a solidariedade orgânica, advinda das diferenças.

Portanto, o Direito tornou viável e possível a convivência de uma sociedade fulcrada nas diferenças e dissimilitudes. Através dele, a razão social pôde ser condensada e usada para o bem da própria sociedade, como técnica tradutora das paixões para uma ordem desvinculada de parcialidades. Pelo menos, o mais longe possível delas.

Solidariedade orgânica = refreamento das paixões e instintos emotivos.


A consciência coletiva única é substituída pelas especialidades, diferenciações, fragmentação das funções e os contratos (liga as pessoas) vão estabelecer até onde vai o direito do outro indivíduo (determina limites). Quanto mais a sociedade se especializa, se fragmenta, aumenta a dependência entre as partes. Nota-se que existe uma coesão que liga as pessoas não pelo ideia de competição ou pelo desgosto de ser inferior, mas pelo cumprimento de seus ofícios. O Direito avança para a dimensão restitutiva: não purga os que estabelecem a diferença ou penaliza aqueles que não cumprem sua função social e depõem contra a ordem social. Apenas intervém tecnicamente para restituir as coisas/pessoas à sociedade da melhor forma possível. O que impede as paixões de se extravazarem é o Direito, que passa a estabelecer que o indivíduo em situação desfavorável, cumpra sua função subordinando-se a outrem e recebendo determinada remuneração. O direito refreia as paixões e os instintos da emoção. O direito expressa técnica e não um estado emocional (prevalecimento de aspectos técnicos). O Direito se torna uma técnica científica e muitas vezes vai se confrontar com a consciência coletiva, porque sobrepõe aspectos técnicos às paixões.
O Direito moderno vai ter a capacidade de intervir nas relações sociais a partir do componente da racionalidade. Em um primeiro momento, isso pode parecer ter uma perspectiva negativa em relação à solidariedade, mas Durkheim vai analisar essa negatividade do direito, como uma forma de surgir um fenômeno positivo, pois passa a existir limites do direito de cada indivíduo, essencial para que haja concordância pacífica e, portanto, a solidariedade. A solidariedade negativa vai surgir como emanação de outra positiva. O amor (solidariedade) entre os homens vai se associar ao refreamentos dos instintos.
O Direito na modernidade é passível de questionamento e modificação. A busca por soluções para determinar os problemas são menos permeáveis às paixões, pois o direito não está mais impresso na consciência coletiva e nas verdades reveladas; está impresso no refreamento das emoções humanas.