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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

De ferramenta de extrema importância para um mero adereço individual

Tema: O direito natural dos homens e a revolução: qual revolução?

O termo Direito natural é entendido como algo que sempre pertenceu e pertencerá aos homens por natureza, algo que caminha junto com a sua existência e dele jamais poderá ser tirado, algo que pode ser deduzido das ordens eternas da natureza e da lógica. E a revolução uma palavra que significa a luta de todos ou da maioria, e que visa sempre um bem maior, um benefício que melhore a sociedade como um todo.

Entretanto, a ideia de Direito natural, assim como o de revolução, foram alterando-se ao longo da história da humanidade. O direito natural passou a ser uma ferramenta utilizada de forma racional, um contrato, responsável por garantir o direito sobre bens materiais, que na sociedade capitalista são cada vez mais essenciais.

E o termo revolução limitou-se a ter uma função bem menor do que seu real significado prega. A revolução tornou-se um meio utilizado por determinado grupo social, que visa, apenas, benefícios próprios, ou seja, a revolução deixou de ser vista como uma manifestação com o objetivo de conquistar, garantir, legitimar e assegurar direitos benéficos à sociedade, para se tornar um mero objeto para obtenção de interesses particulares.

Um exemplo recente e capaz de retratar tal afirmação é a invasão da reitoria pelos alunos da USP, os quais garantiam estarem fazendo uma revolução que, porém, apenas buscava a concretização de vontades individuais de um restrito grupo.

Portanto, fica claro, que houve uma grande diferenciação entre o que se entende por Direito natural “antigo” para o Direito natural “contemporâneo”, sendo a formalidade substituída pela materialidade. E também a perda de sentido e papel de uma importante arma de luta social que é a revolução, a qual está tornando-se um mero adereço para concretização de interesses particulares.

A revolução e o Direito.

                Na sociedade a pluralidade de opiniões e pensamentos é uma constante. Devemos, então, saber conviver e lidar com tal pluralidade. Todos devem ter o direito de pensar e de manifestar seus pensamentos, mesmo no caso destes irem de encontro ao vigente na sociedade.
A manifestação dos ideais conflitantes à ordem vigente é essencial para a evolução da sociedade e pode ser feita de diversas maneiras. Uma delas é a criação da subcultura e da contracultura, que gera na maioria das vezes viés revolucionário. A revolução pode ser vista como simples manifestação de ideais conflitantes, mas é a imposição de uma ordem diferente da anterior. É um “movimento de revolta contra um poder estabelecido, e que visa promover mudanças profundas nas instituições políticas, econômicas, culturais e morais"¹, uma mudança drástica de paradigma cujas consequências não podem ser previstas. A história nos dá vários exemplos de revoluções que acabaram em genocídios.
Sendo o Direito um sistema de normas que garante a ordem vigente, e a revolução a ruptura radical a tal ordem, os dois tornam-se incompatíveis. Contudo, é no direito natural que as revoluções se apoiam e muitas vezes se inspiram. Por exemplo, o lema da revolução francessa ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’ são príncipios deste direito. Há então uma dicotomia em relação à revolução e o direito. Enquanto o direito natural na maioria das vezes serve como base e inspiração a esta, o direito positivo não pode a admitir, já que uma vez leva o rompimento bruto com a ordem imposta, admiti-la é o suicídio do ordenamento positivo.

Webber discute em sua obra a relação entre o direito positivo e o direito natural. O primórdio do direito natural parece estar na antiguidade greco-romana, onde se firma o ideal de que a natureza tem leis imutáveis e que o ser humano é regido por essas. Tal ideia parece vigorar na sociedade até o século XIX, quando o jus positivismo vem alterar este quadro.  A procura da neutralidade axiológica e da necessidade de comprovações empíricas aparece, neste contexto, como importantes armas para a racionalização do Direito. Surgia assim o direito positivo, baseado na norma jurídica.
                    Fica clara a superioridade do direito positivo sobre o direito natural e a necessidade da superação do último pela racionalização do ordenamento jurídico. Assim, a revolução mostra-se ilegítima. A mudança da sociedade e da ordem que a orbita deve ser feita pela mudança progressiva gerada pela ação social, e não por uma mudança radical de paradigmas, como ambiciona a ‘revolução’ em seu sentido originário.




¹ Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Editora Objetiva.


O disfarce de uma revolução

Weber nos remete a discussão acerca do Direito natural dos homens aliado às possibilidades e caminhos da racionalização do Direito, nos colocando diante do dilema de como se comporta o Direito a partir do embate entre o sentimento de justiça espontâneo e o Direito artificialmente criado e racionalmente engendrado com um determinado fim.

A receptividade das demandas do Direito natural é própria dos movimentos revolucionários que a colocam na ordem dos clamores, assim como a ideia de liberdade preconizada pela Revolução Francesa em que transforma a liberdade individual em mera liberdade das condições de mercado (comércio, contrato, negociação), ocorrendo uma privatização da ideia de liberdade. Nesse sentido, a racionalização se tornou algo ainda mais opressor do que o capitalismo e mais vinculado aos produtores dos meios de produção do que o Direito natural, quase sempre produzindo resultados que esvazia de sentido aquilo que era a luta do Direito natural.

Em um primeiro momento, no rastro na modernidade e no decorrer da Revolução Francesa, transformar os direitos de grupos específicos na sociedade em direito de todo ser humano (universalização) se materializa evidentemente na ideia de uma Declaração Universal dos Direitos dos homens. Tudo acaba por produzir o inverso do que o projeto da modernidade pretendia, pois o Direito legítimo se materializa naquilo que não contradiga a lógica de acumulação burguesa.

Weber diz que a modernidade capitalista não é uma expressão única lógica, mas ela engendra muito mais, ainda que a perspectiva burguesa represente o Estado, ela é a expressão máxima do que esse direito puramente formal pode fazer. Logo, ao invés de criar um direito universal, cria-se um direito de partes, já que a lógica do grupo de poder particularizou o arcabouço jurídico no rastro do processo de racionalização. Daí a ideia do pragmático, sendo racional aquilo que é praticamente conveniente.

Revolução, evolução, satisfação...

Se pararmos para analisar aquilo que o Direito Natural instiga nos homens e também o Direito Formal, notaremos a disparidade dos sentimentos inflamados. Aquele gera com espontaneidade; este, com racionalidade. Maneiras diferentes de lutar pelos sonhos, por melhorias, por maior atuação na sociedade... Enfim, diferentes maneiras de obter conquistas.

Revolução? Segundo o Dicionário Houaiss: "grande transformação, mudança sensível de qualquer natureza, seja de modo progressivo, contínuo, seja de maneira repentina"; "movimento de revolta contra um poder estabelecido, e que visa promover mudanças profundas nas instituições políticas, econômicas, culturais e morais". 

Voltemos ao final do século XVIII, as Revoluções Americana e Francesa dispunham de uma mesmo conjunto de ideias e conhecimentos; pregavam a liberdade para os homens, a igualdade de todos, a fraternidade da sociedade. Na América, com sucesso, veio a Independência dos EUA e o exemplo propagado para as demais colônias do mesmo continente. Na Europa, pôs fim ao Antigo Regime e proclamou os princípios universais. 
Mudemos para os anos oitentas, no Brasil, o movimento Diretas Já ganhou destaque ao reivindicar eleições diretas para presidente num período no qual vigorava a Ditadura Militar. Não obtiveram sucesso em sua luta, mas um presidente civil foi eleito. 
Pensemos, agora, nos dias atuais. Estudantes da USP, maior Universidade da América Latina, brigam pela saída do Reitor, por eleições diretas para reitoria e pela retirada da PM de um dos campi. Sem desfecho, não sabemos aonde vamos parar com tal manifestação. 

Movimentos, revoluções... todos buscaram ou estão buscando aquilo que consideram ideal. Na maioria das vezes, são considerados arruaceiros, baderneiros, desordeiros. Alteram a ordem. Agem de forma contracultural. Mas, analisando realmente o valor desses movimentos, percebemos que por mais que consigam conquistar o seu objeto de revolução, num futuro outros virão e reivindicarão a mudança, poderão propor novas conquistas... O Direito Natural, com toda sua espontaneidade, inflama os desejos e o Direito Formal, na sua racionalidade, molda esses desejos.

Vêm as revoluções. A evolução da sociedade. E a satisfação da conquista, que será quebrada por uma nova revolução.

"Revolutio Et Lex Naturae"

"Já chegamos a conhecer a lex naturae como criação substancialmente estóica que o cristianismo adotou para encontrar uma ponte entre sua ética própria e as normas do mundo. Era o 'direito para todos', legítimo segundo a vontade de Deus dentro do mundo existente do pecado e da violência, em oposição aos mandamentos de Deus diretamente revelados a seus crentes e somente evidentes aos religiosamente eleitos. Agora veremos a lex naturae de um ângulo diferente. 'Direito Natural' é o conjunto das normas vigentes independentemente de qualquer direito positivo e que têm preeminência diante deste, normas que não devem sua dignidade a uma promulgação arbitrária, mas, ao contrário, legitimam o poder compromissório desta. Normas, portanto, que não são legítimas em virtude de sua criação por um legislador legítimo, mas sim em virtude de qualidades puramente imanentes: a única forma consequente e específica de legitimidade de um direito que pode restar quando não há mais revelações religiosas, nem a santidade autoritária da tradição e de seus portadores. O direito natural é, por isso, a forma específica de legitimar as ordens revolucionariamente criadas. A inovação do 'direito natural' foi sempre de novo a forma em que as classes que se revoltavam contra a ordem existente conferiam legitimidade à sua reivindicação de criação de direito, desde que não se apoiassem em revelações e normas religiosas positivas. Sem dúvida, nem todo direito natural orienta-se significativamente para ser 'revolucionário', até o ponto de considerar justa a imposição de determinadas normas, diante de uma ordem existente, por atos violentos ou pela renitência passiva. E não apenas os tipos mais diversos de poderes autoritários também retiravam sua legitimação de um 'direito natural', como havia também um influente 'direito natural do historicamente constituído' como tal, diante do pensamento fundado em regras abstratas ou produtor de semelhantes regras. Num axioma de direito natural dessa proveniência baseava-se, por exemplo, a teoria da escola histórica sobre a preeminência do 'direito consuetudinário' - conceito construído com clareza por ela pela primeira vez. Isso se manifesta claramente na afirmação de que um legislador não 'pode' limitar pela lei, com validez jurídica, o âmbito de vigência do direito consuetudinário, e muito menos excluir sua força derrogatória diante das leis, pois não se 'pode' proibir ao devir histórico que se realize. Mas também todas as outras teorias menos consequentes, meio históricas e meio naturalistas, do 'espírito do povo' como a única fonte natural - e, portanto, legítima da qual emanam o direito e a cultura - e especialmente do crescimento 'orgânico' de todo direito autêntico, baseado num 'sentimento de justiça' espontâneo, em oposição ao direito 'artificial', isso é, criado racionalmente de acordo com finalidades ou como quer que se apresentem esses encadeamentos de idéias próprios do romantismo, continham aquele pressuposto que degrada o direito estatuído a algo 'apenas" positivo'.
Max Weber.
O termo "revolução" tem origem na palavra latina "revolutio", a qual significa o "ato de revolver". O sociólogo Jeff Goodwin, da Universidade de Harvard, define revolução como "qualquer e todas as instâncias em que um estado ou um regime político é deposto e, assim, transformado por um movimento social de forma irregular, extraconstitucional e/ou violenta". A primeira vez que a palavra é reutilizada depois da queda do Império Romano do Ocidente se deu com Nicolau Copérnico, em sua obra “Revolutionibus Orbium Coelestium” (1543), quando o astrônomo polonês descreveu os movimentos dos corpos celestiais em torno do Sol. A acepção moderna, contudo, harmoniza-se com a definição de Jeff Goodwin. O conceito de direito natural (“lex naturae”), é gerado na Grécia Antiga, a partir da escola filosófica estóica. Posteriormente, ele é retomado pela Escolástica da Baixa Idade Média; todavia, encontra apogeu na Ilustração. O direito natural é compreendido como o conjunto de direitos que regem, de forma suprema, o direito positivo; ou seja, é a fonte maior de onde emana o direito positivo e conforme a qual este deve existir. Trazem consigo uma característica congênita que nenhum poder (incluso o estatal) pode desrespeitar. Max Weber defende que a ideologia de um direito natural é, constantemente, manipulada por determinadas classes, estado vinculada aos interesses destas. O sociólogo alemão distingue dois tipos de direito natural: o direito natural formal e o direito natural material. Para ele, o primeiro vincula-se “aos interessados no mercado”, na “apropriação definitiva dos meios de produção”, uma vez que racionaliza o direito de maneira a garantir os anseios destes. Já o segundo diz respeito “à situação de classe dos camponeses proletarizados”, ao “protesto contra o fechamento da comunidade de proprietários de terra”. O mesmo autor também salienta que diversos fatores têm conduzido a uma transformação do direito formal em direito material, dentre eles as teorias socialistas. Além disso, considera ser impossível “haver um direito natura puramente formal. Para Weber, o direito natural é ainda a forma de se legitimar os regimes políticos advindos das revoluções, já que estes foram, frequentemente, justificados com a invocação do direito natural. Até mesmo regimes autoritários buscaram legitimação no direito natural. Com efeito, o liame entre o direito natural e as revoluções é facilmente provado. A Revolução Americana (1776), que culminou na Independência das Treze Colônias Inglesas, convertidas em uma federação em 1787, caracterizou-se pela profunda e determinante influência das idéias de direito natural, contidas na obra “Segundo Sobre O Governo” de John Locke. A Revolução Francesa de 1789 refletiu sobremaneira o ideário iluminista, adstrito fortemente ao direito natural, o que pode ser constatado a partir do moto da Revolução: “liberté, fraternité et egualité”. Igual fato vê-se também nas revoluções socialistas do século XX que, à semelhança das Revoluções Russa, Chinesa, Cubana e Norte-Coreana, evocavam o direito à igualdade, seja no plano formal, seja no plano material (e principalmente neste). Entretanto, deve-se ressaltar que o socialismo real não representou uma ruptura conforme proporção almejada: substitui-se a exploração burguesa pela exploração da elite tecnocrata estatal, a posse burguesa dos meios de produção pela posse estatal (e não comum), da limitada democracia do liberalismo clássico pelas ditaduras (por vezes totalitárias) de extrema esquerda. Utilizaram-se igualmente do direito natural, notoriamente do direito à liberdade, processos de independência, que, não raro, não são definidos, às definições clássicas, como revoluções. Exemplo disso é a Independência Indiana. O mesmo ideário de direito natural se faz presente na chamada Primavera Árabe, sendo a justificação da Revolução Jasmim da Tunísia, da Revolução Egípcia, da Guerra Civil Líbia (que culminou em uma revolução), bem como dos diversos protestos nas demais nações do mundo árabe. Todavia, ainda não se verificou a instalação, em nenhuma das referidas nações, de uma democracia real, havendo aqueles que indagam ser a Primavera Árabe uma simples alternância de grupos no poder político das mesmas.Destarte, constata-se que uma revolução de facto é aquela que não se resume à utilização da lex naturae, mas que também implica em verdadeira mudança estrutural, política e sócio-econômica.