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sábado, 2 de junho de 2012

Crítica à maquina para a "libertação" da produção material e cultural.


            Em Sobre o humanismo, Heidegger (1995) afirma que “A linguagem é a morada do ser” e que o homem é o guardião do ser. Ao afirmar isso, o filósofo da floresta negra menciona vários filósofos; dentre esses há um destaque para Marx. De fato, esse grande economista e filósofo alemão, abriu muitos horizontes para o pensamento humano; um desses horizontes, obviamente, foi, como assinala Heidegger, a intuição prévia de um império da técnica que vigoraria em nosso tempo.
            De fato, Marx (1996) não[1] era tão pessimista quanto Heidegger, uma vez que, obviamente, não teve acesso aos desenvolvimentos que o Capitalismo alcançou nos dias de hoje; apesar dessa situação, o autor de o Capital plantou, por assim dizer, sementes críticas que abriram o caminho de grandes autores. Desses autores, destacam-se aqueles que compõem a chamada escola de Frankfurt[2].
            Considerando, então, esse grande filho do pensamento Marxista (A escola de Frankfurt), o objetivo desse pequeno texto será desenvolver, brevemente, uma reflexão crítica a respeito da técnica no tempo em que vivemos. Em tal reflexão procuraremos mostrar que, pelo menos do modo como a sociedade atual está configurada, as máquinas não funcionam como um instrumento da produção material e cultural.
             Ao defender esse ponto de vista, obviamente, não queremos desqualificar o papel importante da tecnologia na vida moderna. Infelizmente não poderemos desenvolver, aqui, esse relevante papel da tecnologia: procuraremos nos focar em um aspecto crítico com relação ao desenvolvimento da técnica; porém deve ficar claro – e as próprias concepções filosóficas e sociológicas de que partiremos terão isto como algo implícito – que nossa crítica da técnica apenas quer mostrar que a técnica não se justifica por si mesma, mas deve estar a serviço da própria emancipação humana.
            Tendo, então, essa finalidade, iniciaremos nossa reflexão expondo algumas reflexões sociológicas a partir do pensamento de um dos grandes representantes da Escola de Frankfurt: Habermas[3]. Em Técnica e ciência como ideologia (Habermas, 2007) e A teoria da ação comunicativa (Habermas, 2011), Habermas, partir de influências como Weber e o próprio Marx, procura construir uma interessante teoria sociológica. Nosso objetivo, aqui, será partir de tal teoria sociológica para conseguir ler uma das principais obras que o filósofo do consenso (Habermas) escreve naquilo que concerne à perspectiva de uma visão crítica a respeito da técnica: trata-se de O futuro da natureza humana (Habermas, 2010).
            Ao desenvolver todo esse raciocínio habermasiano, procuraremos não perder de vista suas raízes marxistas. A razão disso decorre do fato de que acreditamos que o marxismo possui um poderoso histórico de crítica social e, talvez, o principal potencial de análise dos autores da escola de Frankfurt (como é o caso de Habermas) tenha provindo da inspiração marxista que subjaz à sua formação.
            Feito, então, esse pequeno parêntese metodológico, passemos á uma exposição a respeito das teorias de Habermas em sua relação com Marx. Tal exposição, obviamente, não pretende, nem de longe, atingir o grau de complexidade das obras habermasianas em que se baseia: procuraremos, obviamente, apenas fornecer alguns rudimentos necessários para empreender, sucintamente, a crítica da técnica a que nos propusemos acima.
            Para iniciar tal crítica podemos iniciar a exposição dos dois conceitos fundamentais de Habermas; trata-se das noções “sistemas” e “mundo da vida”. Considerando separadamente tais noções, podemos afirmar que os “sistemas” remetem a tudo aquilo que concerne à chamada razão instrumental: a razão instrumental consiste na lógica da técnica que apenas consegue se conectar com os elementos do mundo (natureza, humanidade e etc.) a partir da lógica que relaciona meios e fins; à razão instrumental não concerne moral ou bom senso, uma vez que tal razão, apenas, se limita a procurar, a partir de um calculo racional (ciências, matemática e etc.), encontrar os melhores caminhos para atingir um determinado objetivo. Nesse sentido, inclusive, o próprio nazismo, do ponto de vista da razão instrumental, pode ser pensado como racional. Para Habermas, tal razão instrumental está associada com muitos dos objetos que, até os dias de hoje, possuem uma utilidade prática: ciências da natureza, ciências matemáticas, o próprio direito e etc.
            Tais áreas do saber, no entanto, não devem, necessariamente, para Habermas, serem tratadas como algo negativo, posto que – e aí podemos entrar na segunda noção importante a que havíamos nos proposto – elas sempre estiveram associadas àquilo que o filósofo do consenso chamava de Mundo da vida. Tal noção, segundo Pizzi (2006), possui uma raiz em Husserl (que cunhou a própria noção de “Mundo da vida”) e em Weber (a partir da noção de “Quadro institucional”). Partindo dessas concepções, Habermas constrói a noção de “mundo da vida”: o mundo da vida, a grosso modo, concerne a tudo aquilo que, no senso comum, chamaríamos de cultura no sentido mais amplo, ou seja, tudo aquilo que se refere a valores, religião e comunidade (seja a comunidade humana em geral, sejam comunidades específicas).  O mais relevante, no entanto, a respeito de tal “mundo da vida” concerne ao fato de que, na perspectiva de Habermas ele esteve, ao longo da maior parte da história das principais civilizações, associado aos sistemas.
            Nesse sentido havia, para usar um linguajar habermasiano, uma continuidade entre a produção simbólica e a produção material dos indivíduos: a vida em si mesma e sua reprodução eram unas. Essa situação de unidade sofreu uma queda durante a modernidade: Habermas define a modernidade como sendo, justamente, o desacoplamento entre “sistemas” e “mundo da vida”. Isso significa que na modernidade os sistemas, separados do mundo da vida, ganharam uma independência tal que sua racionalidade (a razão instrumental da técnica) passa a agir autonomamente e ser tratada como justificável por si mesma.
            Com isso, os aspectos morais e culturais passam a ser desrespeitados em função de uma sociedade em que, cada vez mais, qualquer coisa (valores, obras de arte e os próprios seres humanos podem ser tratados como meros meios para se atingir determinados fins)
            Vê-se, interessantemente, como toda essa estrutura assemelha-se a algumas intuições que, brilhantemente, Marx já havia tido no volume II, seção IV e capítulo XIII de O capital, (MARX, 1996). Nesse excerto de sua obra, o grande filósofo e economista alemão mostra o processo pelo qual, aos poucos, a relação entre os trabalhadores e a produção foi se tornando mais distante: segundo Marx, nas primeiras indústrias, os trabalhadores possuíam uma relação mais direta com a produção , uma vez que as ferramentas eram simples e necessitavam, enormemente, do auxílio humano para que fossem manipuladas. Assim, a produção dos mais diversos produtos era realizada por meio de etapas (que, dependendo do produto, podiam ser mais heterogêneas ou homogêneas) em que cada trabalhador manipulava detalhadamente as ferramentas que compunham uma máquina: Marx usa, inúmeras vezes, o exemplo da máquina de tear cujas ferramentas componentes precisavam de extrema atenção do trabalhador que, por sua vez, precisava atentar, constantemente, tanto para o movimento dos pés (que acionavam o tear) quanto para o das mãos que regulavam qualquer disfunção em tal máquina (tear).
            Isso mudou, radicalmente, com o surgimento das máquinas a vapor; tais máquinas possuíam um caráter universal (pôde-se, segundo Marx, produzir os mais diversos tipos de máquina a vapor voltadas para as mais diversas funções) e eram muito mais completas (possuíam muito mais ferramentas) e autônomas (não precisavam ser operadas por seres humanos e não estavam sujeitas às suas imperfeições) do que as máquinas que as precederam. Tais máquinas a vapor, por sua vez, se desenvolveram tanto que, com o passar do tempo foi possível criar máquinas através de máquinas. Isso, segundo Marx, faz com que o trabalhador seja completamente distanciado da produção; Surge aí a famosa noção de alienação passa a não poder acompanhar os processos de produção.
            A relação de todas essas concepções marxianas com relação a Habermas é impressionante: da mesma forma que, em Habermas, o desenvolvimento autônomo da técnica leva a um processo onde esta começa, não só a se distanciar, mas a destruir o âmbito da vida (mundo da vida), em Marx a alienação faz com que, cada vez mais, os trabalhadores (e a humanidade em geral) passem a perder a consciência dos reais sentido e utilidade da produção para suas vidas.
            Esse entrelaçamento de gênios é bastante profícuo, pois nos permite perceber a utilidade e relevância de um autor mais antigo (Marx) e compreender a tradição de um autor mais atual (Habermas).
            Isso, inclusive, nos leva à discussão final de nosso texto: Marx e Habermas nos apontam um caminho perigoso a que o elogio desmedido da técnica pode levar. Esse perigo, inclusive, nos é, lucidamente, trabalhado, por Habermas, em O futuro da natureza humana (HABERMAS, 2010). Nessa obra, Habermas, nos alerta para o perigo da libertinagem excessiva no uso dos resultados de certas pesquisas científicas: Habermas, por exemplo, explica que, no uso dos resultados das pesquisas que envolvem a genética, devemos estabelecer fronteiras ente uma eugenia positiva e uma eugenia negativa. Esse tipo de fronteira é essencial: seguindo, também, o caminho de Marx, poderíamos pensar um mundo em que indivíduos alienados e sem consciência histórica consumiriam, abusivamente, os resultados das pesquisas em genética; em tal mundo as pessoas não teriam consciência histórica o suficiente para perceber que muitas pessoas desfavorecidas não poderiam ter acesso aos melhoramentos oferecidos pela genética. Em uma situação como essa poderia, como aponta Habermas, surgir uma eugenia neoliberal.
            Feito esse comentário, cremos poder encerrar, as nossas colocações críticas a respeito da técnica. Esperamos, com nosso raciocínio, ter sabido desenvolver bem as concepções de Marx e Habermas, apontar seu entrelaçamento e usá-las, não só para apontar o caráter alienante da técnica, como, também, para mostrar perigos nefastos que tal técnica, se não for moderada, pode trazer em um futuro próximo.

REFERÊNCIAS.
DUARTE, R. Adorno e Horkheimer e a dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70, 2007.
HABERMAS, J. Teoria de la accion comunicativa. Madrid: Catedra, 2011.
____. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins fontes, 2010
HEIDEGGER, M. Sobre o humanismo. Rio de janeiro: Tempo brasileiro, 1995.
MARX, K. O capital. São Paulo: Abril cultural, 1996.
PIZZI, J. O mundo da vida. EDITORA UNIJUI, 2006.



[1] Ao afirmar isso, não estamos querendo atribuir, a Marx, quaisquer tipo de ingenuidade: ao longo deste trabalho procuraremos introduzir as idéias da chamada Escola de Frankfurt e, principalmente, de Habermas; apesar dessas idéias terem significativa discrepância com relação ao pensamento original de Marx, esse não deixa de ter sua relevância para a construção delas (principalmente a partir da noção de Fetichismo da mercadoria).
[2] Segundo Duarte (2002), o instituto de pesquisas sociais de Frankfurt foi, inicialmente, fundado para ser um instituto de pesquisas marxistas; esse, talvez, seja motivo pelo qual alguns historiadores da filosofia referem-se ao pensamento de tal instituto a partir do epíteto de Marxismo ocidental. 
[3] Devido a brevidade do projeto deste trabalho, não podemos, obviamente, trabalhar todos os autores que representam a chamada Escola de Frankfurt, notando-se que, se escolhemos Habermas, é porque o caráter mais recente faz com que seja impossível questionar a atualidade do presente texto.

Autores: Danilo Saran Vezzani, Gustavo Augusto de Bourbon, Marco Aurélio Ferreira Caires, Murilo Martins, Yuri Rios Casseb. 

O emprego da mão de obra familiar: da unidade afetiva à unidade econômica


Família: núcleo de convivência, unidade afetiva pautada nas relações entre seus membros, interligados por sentimentos. Contudo, essa definição vem sendo deturpada desde a Revolução Industrial, período em que a demanda do mercado de trabalho capitalista se estendeu a todos os integrantes da família. Afinal, quais os motivos que desencadearam o processo de desestruturação familiar e como isso se refletiu na sociedade?
Com a introdução das máquinas nas linhas de produção, eliminou-se a necessidade de uma força física e, consequentemente, a força de trabalho foi desvalorizada. A partir de então, a remuneração do proletariado diminuiu à medida que seu papel no ambiente fabril perdeu a relevância. Para suprir a queda do rendimento econômico familiar, mulheres e crianças foram inseridas no explorador mercado de trabalho e submetidas a péssimas condições de vida.
Como observado por Marx em seus estudos, essa mudança econômico-social modificou brutalmente a estrutura das famílias operárias, uma vez que os laços afetivos foram substituídos por laços materiais e econômicos. A mulher, então, deixou de exercer seu papel tradicional – como cuidar dos filhos e do lar – para complementar a deficiente renda familiar. As crianças, por sua vez, quando não abandonadas, eram forçadas a trabalhar (sempre sob condições absurdas de insalubridade e insegurança).
Em decorrência da desestruturação da família enquanto unidade de afeto, os índices de abandono infantil aumentaram, bem como a taxa de mortalidade: narcóticos eram utilizados para condicionar as crianças ao trabalho. Marx ressalta que, ao passar longas jornadas no ambiente fabril, as mães tornaram-se estranhas a seus filhos e, por muitas vezes, os envenenavam para que se livrassem do ônus de criar um ser humano dentro daquele ambiente hostil.
Para o capitalista, o uso da mão de obra familiar era mais do que vantajoso: gastava-se pouco a mais que para contratar o chefe da família (pai), mas lucrava-se consideravelmente mais. Dessa forma, a força de trabalho do adulto foi desvalorizada, e como num ciclo, o emprego de todos os membros se tornava cada vez mais necessário para garantir as mínimas condições de sustento.
É importante analisar a conjectura atual e obter um paralelo entre a família do período da Revolução Tecnológica e a família de hoje. As condições dos trabalhadores atualmente, embora ainda não sejam perfeitas, melhoraram muito, principalmente quanto à garantia de direitos que proporcionam uma melhor qualidade de vida (se é possível chamar as antigas condições de “qualidade de vida”). Nota-se, porém, que mesmo sendo superadas as patologias, as relações fundamentais entre os familiares ainda permanecem como relações econômicas, uma vez que a família tem a necessidade de se manter. Esse quadro é consequência do capitalismo que invade o ambiente familiar e rege as necessidades e as satisfações das pessoas, formulando uma imagem meramente materialista da felicidade: o carro da família, os eletrodomésticos, os presentes de Natal ou dia das mães ou dos pais, etc.
O trabalho infantil hoje é proibido, mas é inegável que esse problema ainda existe na sociedade. Acontece, porém, que as crianças hoje submetidas à exploração são geralmente as das camadas mais pobres e as péssimas condições são mascaradas ou tratadas às vistas grossas por quem não considera aquilo um problema seu. As mulheres conquistaram sua independência e, também por questões de necessidade, para manter-se no mercado de trabalho deixam seus filhos em casa. É de suma importância ressaltar que a família moderna sofreu modificações: há famílias em que o único provedor da casa ainda é o pai, mas existem outras em que só a mãe exerce esse papel; há também as mães solteiras, viúvas, etc., e para garantir a boa criação de seus filhos, se entregam à luta diária na busca de melhores condições.
Ao longo da história os trabalhadores obtiveram muitas conquistas. Mudanças ocorreram sim, mas a luta diária pela sobrevivência, explícita no período das Revoluções, ainda existe. Mesmo que em diferentes graus, a família está envolvida nessa luta desde a substituição da força de trabalho pela máquina e, se não houver um tempo para conversas e carinho, as relações familiares vão continuar sendo contaminadas pelo espírito do consumo e as famílias vão se construir sobre frágeis alicerces financeiros, abandonando seu caráter fundamental de afeto para adquirir um caráter imposto: a família como unidade econômica.

GRUPO 4 - Diurno: Ana Caroline Borges, Fernanda Keri, Isabela Risso, Lívia Sbroggio, Maria Cláudia Cardin.