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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Não só de boas intenções vive a Justiça


Durkheim faz uma notória diferenciação entre as sociedades pré-modernas e as modernas. Atribui a coesão daquelas à solidariedade mecânica, e a destas, à solidariedade orgânica. Estende tais concepções à esfera do direito, principalmente o penal. A partir da modernidade, o direito, em sua teoria, deixou de ser apenas punitivo, para ser predominantemente restitutivo. Essa teoria condiz plenamente com a realidade, visto que o direito penal tem mesmo esse princípio do afastamento e da “correção” do agente transviado a fim de que ele retorne à sociedade, ao cumprimento de sua função social, como a peça de uma máquina, ou a célula de um tecido do corpo, daí o sentido de organicidade social.
O direito entrou no embalo da cientificização. A burocracia como agente de racionalização do Judiciário tornou-se necessária. As arbitrariedades dos magistrados não podem ser admitidas, daí as limitações da lei, a obrigatoriedade de seu cumprimento restritivo, por vezes, e a existência dos princípios de hermenêutica, também vinculando as sentenças. Daí as súmulas, as Jurisprudências. O direito precisa ser sólido, preciso, perfeito, delimitado, pleno, incontroverso, absoluto, deve ser igual para todos.
Como em quase todas as teorias, tudo faz sentido, é perfeito. A prática, porém, destoa totalmente dessas descrições. Em primeiro lugar, o direito não é restitutivo. As penitenciárias não “reformam” o bandido, não o tornam capaz de ser restituído ao meio social, não cumprem sequer a cláusula pétrea que preconiza os direitos fundamentais, notadamente a dignidade da pessoa humana. Infelizmente, não se pode negar que o transviado social, após a sanção do direito, fica pior do que era antes. Pois bem, o direito não é restitutivo, esta é apenas sua pretensão hipócrita.
O direito como ciência também não corresponde aos anseios sociais. Um exemplo prático, que presenciei há algumas semanas, é o de uma senhora que ingressou com uma ação em 2008 contra o INSS para receber seu benefício previdenciário devido à invalidez física permanente para o trabalho (possui um tumor cerebral). Apresentou todos os laudos, realizou as perícias, rebateu as contestações da parte ré. Em junho desse ano saiu a sentença dando-lhe o ganho da causa. O INSS recorreu. O processo será estendido por mais uns cinco anos, com otimismo. Mas ela realizará uma cirurgia para a retirada do tumor com urgência, dentro de alguns dias, podendo não sobreviver.
Sentindo-se totalmente injustiçada pela Justiça, nas palavras dela, ela chorou em minha frente e eu não soube o que dizer. O recurso é um direito constitucional, uma dádiva do direito de defesa... Na prática, um recurso protelatório, só disponível para os grupos sociais privilegiados, que possuem condições de pagar um bom advogado. O direito é extremamente moroso, o que é causa de muitas injustiças. Muitos recursos da lei (no sentido genérico do termo) não correspondem aos anseios sociais, são desnecessários, permitem arbitrariedades, privilegiam os ricos, trazem morosidade, estão engessados no tempo... Ao contrário do que muitos pensam, e muitos pensam, a lei não é perfeita. Antes de segurarmos o vade-mécum contra o peito e idolatrá-lo, devemos questioná-lo minuciosamente, como cidadãos que entendem de direito e como juristas.
Devemos ser conhecedores das teorias para questioná-las e adequá-las ou não à realidade, conhecedores das leis para questioná-las e adequá-las ou não à realidade, à justiça realmente aclamada pelo povo. Temos a missão de refletir sobre a ordem estabelecida e quiçá alterar seus pontos falhos e injustos. É por esse motivo que as ciências humanas estão intrinsecamente ligadas ao direito ciência e assim devem permanecer.

O funcionamento da sociedade moderna não depende mais da devoção á um Deus, mas do funcionamento das esferas especializadas, e, sobretudo sobre as esferas que engendram e fazem funcionar a estrutura econômica.
Na modernidade ser diferente é uma qualidade, pois ela enquadra essa diferenciação e gera uma especialização. Os indivíduos se unem pela particularidade dos seus ofícios, e a solidariedade é dada pela complementação das funções.
Ao se tratar do direito por exemplo, se antes nas sociedades pré-modernas ele era tudo, nas sociedades modernas ele é apenas mais uma esfera entre tantas.
Antes ele era interligado com a religião, hoje ele expressa técnica e não um estado emocional, se antes a igreja julgava o adultério, hoje é o direito quem o faz.
Típico dessas sociedades é o Direito restitutivo, que é análogo ao sistema nervoso, pois regula cada função da sociedade, buscando reintegrar o individuo. É importante ressaltar que a especialização também acarreta na especificação de sanções, por exemplo, o homicídio é classificado em doloso ou culposo, e cada um tem a sua sanção especifica.
O direito já faz parte da consciência coletiva, e essa impregnação que torna a sociedade coesa. O Direito dos indivíduos só pode ser obtido por concessão mutua, porque é nesse sentido que se observa o limite do Direito de cada um, ou seja, o meu limite é limitado quando afeta o direito do outro.
O Direito é entendido como “coisa social” , afinal, ainda que os contratos sejam entre particulares, as normas estabelecidas são de cunho sociais já estabelecidos. O Direito é o instrumento usado pela sociedade para fazer com que os compromissos sejam cumpridos, e que a convivência seja harmônica, assim algo que é estabelecido pela sociedade tem menos carga sobre um individuo. 

A Ciência do Direito

Na atualidade o Direito é tratado como uma ciência, e assim sendo, não lhe cabe emoções, mas sim técnica, isso acaba por gerar uma insatisfação da sociedade que, por levar os sentimentos em consideração ao acompanhar um julgamento, espera que a justiça seja feita, e não que uma sentença seja dada somente para regular a sociedade, tornando-a novamente harmônica.
Porém, mesmo com esse sentimento de que a justiça não ocorreu de fato é muito raro observamos a sociedade ir contra o decidido no tribunal de maneira efetiva, isso acontece devido ao que Durkheim chama de amor  à sociedade, esse  "amor" faz com que as pessoas aceitem determinada sanção para que a sociedade continue a funcionar como sempre, não a desestabilizando.
Com isso o Direito passa a ter mais força, caminhando para um momento onde o Direito passará a ser o único meio de resolução de conflitos, deixando para trás a ideia de vingança que por vezes ainda define o comportamento humano e que acaba por gerar um número maior de atos criminosos.
Com isso é possível concluir que esse respeito às normas é uma evolução, ainda que tais normas e modo como são aplicadas ainda deixem muito a desejar, mesmo que o objetivo delas seja unicamente devolver a harmonia à socidade,já que o criminoso quase nunca volta a se encaixar de forma "harmônica".  


O Direito como busca da coesão social



No terceiro capítulo de seu livro “A Divisão do Trabalho Social”, Durkheim coloca-nos que na modernidade os indivíduos estão conectados pela individualidade de seus trabalhos tornando-se dependentes uns dos outros. Esta interdependência entre as funções de cada um seria a chamada Solidariedade Orgânica; a especialização do trabalho fortalece o ser e, ao mesmo tempo, faz com que ele seja ainda mais dependente do outro, sendo cada órgão possuidor de uma função específica e o Direito Restitutivo o “sistema nervoso” regulador das tarefas do corpo social.
A analogia com o organismo humano feita por Durkheim mostra que a especialização do trabalho exige também sanções especializadas, as normas não mais atingem a toda uma sociedade e sim a círculos reduzidos. Isso faz com o que o Direito moderno se utilize mais da técnica que da emoção para o julgamento de algum caso. Assim como o trabalho tornou-se mais específico o Direito também se transformou; passou a ser um saber dos especialistas, fazendo com que o ordenamento jurídico seja passível de mudanças, ele deve acompanhar as transformações de cada parte da sociedade para que tenha capacidade de julgá-las da melhor forma.
O Direito, portanto, não é, nas sociedades modernas, um elemento geral, torna-se uma das esferas especializadas e suas normas passam a objetivar a ordem social. Respeitamos o Direito, pois temos intrínseco em nossas consciências o amor pela coesão do ambiente no qual vivemos. Sociedade e Direito estão, desde os tempos mais longínquos, interligados; o Direito é a força da sociedade que intervém para que os compromissos se cumpram e a ordem social seja mantida a fim de conservar a sociedade coesa.


A evolução da sociedade garantida pelo Direito
O Direito é essencialmente social. Através dele é possível o convívio social. De acordo com Durkheim, as paixões individuais estão limitadas com a ajuda do Direito. São os contratos que ligam as pessoas às coisas, que determinam os limites de cada indivíduo, para que a sociedade não entre em conflito.
Às vezes, a vaidade humana supera o Direito e toma as rédeas da conduta humanas, neste momento a sociedade entre em conflito. As guerras começam quando o Direito é deixado de lado.
A sociedade é heterogênea, ou seja, os indivíduos apresentam diversos interesses, e o Direito consegue absorver toda essa diversidade. Podemos citar como exemplo, o casamento homo afetivo, que perante a religião, a biologia, os costumes é algo inconcebível, mas através do Direito foi garantido que a minoria da sociedade pudesse satisfazer sua vontade.
A evolução da sociedade é constante, o que é um costume hoje, amanhã pode não ser. Ou ainda, se observarmos o passado, veremos muitas diferenças nos costumes e comportamentos da sociedade atual. A seleção do que é justo e deve ser mantido a diante, para que a coesão social continue e, assim, a sociedade possa sobreviver e continuar evoluindo ao longo do tempo, é garantida pelo Direito.

Matheus da Silva Mayor

Motivos de ira e medo



Estudando Durkheim e alguns capítulos de sua obra “A Divisão Social do Trabalho”, vemos que o autor distingue dois tipos de solidariedades que dominaram as relações sociais antes e depois do advindo da modernidade, a mecânica e a orgânica. Nestes tipos de relações podemos compreender como as mudanças na sociedade, principalmente das novas relações de trabalho, modificaram o jeito das sociedades interagirem-se e a forma como elas se mantiveram com certa coesão até os dias de hoje.
Em um primeiro momento, nas sociedades pré-modernas, as relações sociais mantinham-se com certa harmonia devida a certa hegemonia ideologia e de trabalho que era imposta na sociedade para que esta se mantivesse unida, e sendo assim, buscava-se punir o ser que vivesse fora da esfera tida como a correta. Para essas pessoas “esquerdas”, a ação punitiva contra elas seria a ideal para demonstrar que não se admitia seres que destoassem do todo, e assim, prejudicassem o perfeito mecanismo social vigente.
Com a chegada da sociedade moderna e a Revolução Industrial, na qual se alterou as relações sociais e de trabalho, os membros da sociedade passaram a se especializar em uma função que desempenhariam na esfera social, e assim, começou a haver uma maior diferenciação dos seres que compõe a sociedade, fato este que aos olhos dos defensores da “solidariedade mecânica” seria o inicio de um colapso na coesão da sociedade. Porém, com essa nova forma de sociedade veio a “solidariedade orgânica”, solidariedade esta que tal qual um corpo humano e seus órgãos, cada membro da sociedade possui uma função que, só em uma perfeita união e solidariedade, o todo sairia vivo e em perfeita ordem.
A modernidade e sua alta diferenciação social trouxeram em sua bagagem normativa a possibilidade de um Direito restitutivo, algo que possibilitasse o retorno do ser que tivesse saído da perfeita harmonia sem necessariamente sofrer alguma medida severamente punitiva, como em época contemporânea ao Código de Hamurabi. Porém, este Direito restitutivo trás a discussão acerca se realmente é possível restituir um ser que infringiu a ordem social, e assim, fazê-lo retornar a sua função para um perfeito arranjo da sociedade.
Durkheim nos diz como se deu a coesão social em diferentes momentos históricos e por que destas mudanças. Essas teorias sobre tais motivos para a união da sociedade nos mostram o porquê que algumas vezes nos deparamos com uma ira incontrolável de certas pessoas para com outras que cometeram algum desvio, e assim, desestruturam a perfeita ordem e abriram uma brecha para o declínio da organização da sociedade e a total anarquia. Todavia, um tema para uma possível discussão seria se de fato esse pavor é justificado. Deixamos essa indagação para cada um refletir e tomar para si uma resposta.

 (MUNCH, Edvard. O Grito)

Muitas vezes, em nossa sociedade, a população não se sente plenamente satisfeita com aquilo que o Direito determina. Muito pelo contrário: em boa parte das vezes, as pessoas se sentem insatisfeitas e até mesmo – paradoxalmente – injustiçadas por aquilo que foi definido segundo as normas jurídicas. Isso ocorre não somente pela impunidade existente, mas também pelo fato do Direito ser tratado, sobretudo atualmente, como uma ciência.

De acordo com essa nova concepção do Direito, não cabe qualquer tipo de componente valorativa ou emotiva. O Direito deve ser encarado como apenas mais uma esfera especializada que compõe a sociedade e, diante desse processo de especialização do conhecimento e da divisão do trabalho, exige, também, sanções especializadas.

No entanto, as pessoas possuem determinados valores e são motivadas não somente pela razão, como também pela emoção. Devido a isso, por vezes as pessoas realizam julgamentos com base nesses aspectos e aqueles não condizem com os julgamentos determinados pelo Direito entendido enquanto ciência, que não considera essa carga valorativa e emotiva.

Frente a esse pensamento, Durkheim ainda apresenta a ideia de que, mesmo não correspondendo aos anseios sociais, as normas jurídicas são sempre respeitadas por amor das pessoas à sociedade. Ele não se refere à ideia de amor cristão, mas amor àquela estrutura já definida e coesa por esse ordenamento jurídico.

Isso permite uma maior diferenciação social, com a qual a consciência coletiva aos poucos torna-se um conhecimento especializado. Podemos pensar nesse fato como um avanço, pois, em uma sociedade cuja consciência seja coletiva, a solução dos conflitos é somente o Direito (no caso, o Penal) e as diferenças presentes na sociedade devem ser desagregadas. Já em uma sociedade em que há uma especialização do conhecimento, o Direito não é a única solução possível para um conflito e a resolução deste não está ligada somente à punição do indivíduo, mas à sua restituição, o que possibilita a assimilação de diferenças.


Câncer social



Quando o Direito passa a ser visto como uma ciência, na qual existem inúmeras ramificações, vertentes que apontam em cada mínimo detalhe da sociedade, a evolução é evidente, passar de um mero carrasco para restituidor, pelo menos na teoria, é muito bom.
O problema consiste na real aplicação destes princípios, quando os dotados de estabelecerem a boa execução do Direito Restitutivo são justamente os que deveriam ser restituídos, é que se encontra o câncer da sociedade moderna.
A diversificação das funções na sociedade foi fundamental para torná-la orgânica, mas ao mesmo tempo pode ter transformado a nação em população, o sentimento nacionalista deu origem apenas aos números, assim como os funcionários de uma fábrica estão alienados em suas ESPECÍFICAS qualificações, os habitantes de uma cidade também estão. Aí quando surge um sensacionalista exaltando o antigo Direito Penal, a Lei de Talião, ocorre um retrocesso ideológico. O que deveria servir para alimentar a cobrança aos governantes, acaba apenas como um protesto ignorante, silencioso e individual.
A alta taxa de reincidência dos ex prisioneiros faz a população desacreditar no atual modo de empregar o Direito, toda a culpa cai para um indivíduo que nunca teve oportunidades e na  prisão encontrou mais perversão do que nos guetos, é fácil jogar a culpa destes "peixes pequenos", o maior mal sempre esteve escancarado e não chegaram por meios ilícitos no poder, o próprio presidiário votou no indivíduo que lacra seu caixão de modo DIRETO.
A grande diversidade advinda da solidariedade orgânica deveria ter unido mais os indivíduos como em um corpo vivo, não a atual segregação das partes. O dia que os braços e pernas tomarem consciência que alimentam uma mente bandida e por ela são alimentados, quem sabe ALGUMA coisa mude e o Direito Restitutivo entre finalmente em vigor.

João Pedro Leite- Primeiro ano Direito Noturno

A Importância do Direito na Sociedade Moderna


Durkheim teoriza sobre a solidariedade orgânica, pautada na complexidade da divisão do trabalho nas sociedades modernas. Segundo ele, isso ocorre devido ao fato de que os indivíduos, por mais que tenham desejos e características individuais, sentem a necessidade de união devido à complexidade e a interdependência de suas ocupações na sociedade.
Diferentemente das sociedades pré-modernas, nas quais a coesão social era mantida por costumes ou valores religiosos, nas modernas essa coesão é pautada por normas jurídicas, as quais estabelecem os princípios da solidariedade orgânica. Assim sendo, são as normas jurídicas, as responsáveis pela organização da sociedade, e para que isso ocorra, o direito representa um papel fundamental nesse sistema, pois é graça as normas escritas que se torna possível a análise técnica dos eventos cotidianos.
Dessa forma, fica evidente a importância do Direito na sociedade moderna, pois é ele o responsável por garantir a ordem e que a justiça seja feita sem que haja a interferência emocional, evitando-se assim a chance de que ocorra juízo de valor.




Por um fio.



     Bilhões de pessoas no mundo, diversos países, crenças, culturas e etnias. Como manter o mínimo de equilíbrio e ordem em uma situação como essa?
     O Direito seria o fiozinho, que com muito custo, deixa a sociedade continuar seu rumo. Sem o Direito, a "corda" se romperia facilmente, e a desordem tomaria conta da sociedade.
     Entretanto, fica a reflexão: O que garante o Direito?
     O Estado tem a função de garantir a ordem e a segurança na sociedade. Mas o que seria o Estado? Para Kelsen, por exemplo, o Estado não é nada mais que uma limitação do Direito, portanto o Direito teria que garantir a si mesmo.
    Agora, o que seria a sociedade sem o Direito? Será mesmo que conseguiria se organizar sem um ordenamento a ser respeitado? Ou um pouco tempo entraria em colapso? Talvez essa pergunta só seja respondida se colocada na prática.

  Durkheim trata em seu livro, A Divisão Social do Trabalho, da forte ligação entre o direito e a solidariedade orgânica. Em uma sociedade onde as pessoas se conectam através de seus trabalhos e deveres, e não mais por afinidades ou crenças, se torna o direito não só um regulador das interações humanas e manutenção do sistema, mas um fator de união e desagregação social. 
  As relações humanas espontâneas foram substituídas por princípios de obediência. Não se espera a boa educação e respeito vindo do próximo devido a princípios morais, se espera devido a princípios jurídicos. A sociedade está sempre em busca de razões legislativas ou formas de regulamentar relações. É dificil imaginarmos uma só relação entre pessoas que não seja regulamentada, oficializada ou rebaixada pelo direito. Defendemos a propriedade  literária, artística, industrial, mobiliária, não mobiliária... Obrigações, infrações, delitos, sanções. Nosso sistema abrange a tudo. Perante a tamanha legislação, as pessoas tendem a se relacionarem através dela. Fraudes unem os envolvidos, famílias se distanciam a brigar por heranças, escândalos dividem o povo e opiniões diferentes são inaceitáveis.
  Não procuro contestar a necessidade do direito na manutenção da vida em sociedade. Mas seus excessos sem dúvidas também são prejudiciais. Tamanha defesa à propriedade impede que sem-tetos durmam em prédios abandonados, desapropriação de terras coloca milhões nas ruas todos, altos impostos tiram dinheiro e famílias sem condições de sustentarem seus filhos. Não, para essas pessoas o direito nada pode fazer.

Nicole Gouveia Martins Rodrigues

Força do equilíbrio


  O Direito põe a pena não como simples forma de castigo, mas sim como um meio de restabelecer o equilíbrio que fora quebrado. Ao sofrer uma sansão, a mais grave sendo a reclusão, o homem se torna diferente na sociedade, mas igual aos que estão submetidos às mesmas sansões. Nesse ponto a diferença perante à sociedade os une, mesmo que os crimes cometidos sejam diferentes.
  O juiz, nesse processo, é o responsável por restabelecer a ordem e não por punir a réu. O foco não é proporcionar um sofrimento tal qual o dano, mas voltar-se no acontecido e tentar, na medida do possível, restaurar a normalidade. Não pelo lado emocional e sim pelo material, real. Direito é concreto, é técnica e não emoção, mas se torna inevitável que esta ecoe dentro direito, pois o Direito é aplicado por seres portadores de emoções. Tendo o juiz que se blindar ao máximo para não escutar esse eco. 
  Já o desequilíbrio ocorre quando um cidadão ultrapassa o seu direito e fere seus pares, sem essa linha ténue que impõe limites o convívio social seria improvável. Mas essa linha também se aplica ao próprio direito e o impõe margens. O Direito se auto-limita em suas atividades.
  Ficando então o Direito como algo comum à sociedade e não como um mero defensor de direitos privados e individuais, que vem como força social buscando restabelecer o equilíbrio então abadalo.

A norma legal e a passionalidade individual


Uma sociedade estabelece vínculos culturais e padrões de comportamento que geram uma harmonia no seu meio social, e configuram as regras de conduta de um grupo coeso. Padrões legais coincidem muitas vezes com esse “sentir comum” e outras vezes se distanciam um pouco da moralidade ou ética social para ater-se a direitos ulteriores inerentes a dignidade humana e liberdade individual. Muitas vezes o direito se vê obrigada a caminhar junto com a sociedade, seguindo seus padrões e estabelecendo de acordo com isso o seu ordenamento jurídico.
Porém surge um questionamento lógico a respeito de tal postura. Até que ponto o direito deve ou não ater-se ao coletivo social? Até que ponto deve se abster da consciência social para tomar as decisões no plano jurídico? Uma coisa é certa: o direito é uma ciência, e como tal está a serviço do homem. Por outro lado, não podemos deixar de enxergar o direito como um elemento criado para estar acima de qualquer poder individual. Ninguém pode, por exemplo, ir acima das normas constitucionais e governar segundo sua própria vontade, nem mesmo o Estado é totalmente soberano, também é sujeito submisso ao ordenamento jurídico que ele mesmo criou.
Tal dicotomia leva-nos a concluir que apesar de uma consciência social o direito deve sempre distanciar-se dele para atender a um bem maior que muitas vezes não condiz com a interpretação da norma mais em voga. Levar ou não levar em conta a passionalidade em um crime, determinar se um comportamento fere a moral e os bons costumes é muitas vezes ater-se a padrões sociais que embaçam a visão objetiva da lei e a tornam injusta. Durkheim defende essas teorias e afirma que o Direito tem a função de garantir os limites entre a vida social e a ação do Estado. O Direito seria a técnica que se entrelaça muitas vezes com a passionalidade da consciência coletiva, desse modo não há um ponto de encontro somente legal, mas coletivo, para que o princípio do poder da lei e da segurança jurídicos sejam preservados.



“Direito é a força da sociedade que intervém para fazer com que os compromissos se cumpram”. Mas como isso é possível numa sociedade em que os indivíduos não estão mais conectados entre si pelo sentimento de semelhança e pertencimento a um grupo?
A divisão social do trabalho gerou, nas sociedades de solidariedade orgânica, indivíduos socialmente diferentes, ao passo que aumentou o grau de interdependência entre eles. Assim, fez-se necessário o estabelecimento de direitos e deveres, contidos nas normas jurídicas, para se manter a coesão social.
Para tanto, os indivíduos devem conceder mutuamente parte de seus direitos para que a coesão seja alcançada, ocasionando maior separação entre as pessoas: “a primeira condição para que um todo seja coerente é que as partes que o compõem não se choquem em movimentos discordantes”.
Assim, o direito presente neste tipo de sociedade é o direito restitutivo, como afirma Durkheim na seguinte passagem: “Ele [o juiz] dita o direito, não dita penas. As perdas e os danos não têm caráter penal; é apenas um meio de voltar ao passado para restituir tanto quanto possível à sua forma normal”.
Contudo, ele se torna passível de questionamento na medida em que não está impresso na “alma comum da sociedade”. Por mais que este direito moderno se utilize menos da emoção e mais da técnica, é latente o incômodo que a simples restituição gera, principalmente para as vítimas, devido às reações moderadas oriundas dela.
Como não criticar o modo como são restituídos crimes que horrorizam a sociedade, como o caso da menina Isabela? Não só as falhas que a justiça apresenta são responsáveis por reações adversas à ela, mas também a falta de um espírito coletivo, onde estejam impregnados os direitos e deveres de uma sociedade, ou seja, a falta de uma consciência coletiva mais ativa. 

Ser-humano? Não tem preço.


Microchips, Iphone 5, sondas espaciais. Toda essa tecnologia nos deixa, sem dúvida, maravilhados. Contudo, podemos considerar essas maravilhas como vitória pelo grande esforço humano e avanço da ciência?
O Homem moderno não se cansa de se considerar evoluído. Para tudo hoje, há solução. Linhas de expressão? Botox! Fora das proporções ditadas pela moda? Lipoaspiração! Quer se sentir integrado no que há de mais moderno? Iphone 5! Se sente infeliz com sua existência repleta de dinheiro e vazia de vida? Prozac!
Como estão, em uma sociedade considerada tão evoluída e tão moderna, a fome e a miséria ainda estejam tão presentes? Como, com a globalização, apenas a erradicação da fome e da miséria não se encontra em todo o mundo? O irônico é que, nas sociedades “primitivas”, que o Homem branco tratou de levar a civilização, não se morria de fome.
É triste perceber o quanto um simples pedaço de papel pode fazer alguém se esquecer de sua qualidade principal – ser humano – e se enveredar por caminhos obscuros, simulando ataques para legitimar guerras ou manipulando mentes para vender seus produtos, utilizando a ciência apenas para enriquecer.
Contudo, quando 700 famílias moram em um prédio abandonado e o dono deseja reaver a posse, deixando todos sem lugar sequer para dormir, a ciência jurídica não pode ajudá-las, infelizmente. Temos solução para tudo! Famílias morrem de fome e não têm onde dormir? Desculpe, a tecnologia ainda não está tão avançada. Mas tome um Prozac e se esqueça da dor!

Direito restitutivo e Solidariedade orgânica

Durkheim numa parte da sua obra "A Divisão do Trabalho Social" observa que na sociedade se manteve coesa no tempo através de dois tipos de, segundo ele, "solidariedades". A primeira, manifestada principalmente nas sociedades menos complexas, denomina-se "solidariedade mecânica" e se caracteriza por manter a coesão social através dos seus elementos dividirem crenças comuns, principalmente as religiosas que nessa época exerciam uma absurda influência. Diferentemente das sociedades pré-modernas, na modernidade os indivíduos não estão mais unidos por compartilharem as mesmas ideias ou aclamarem um mesmo deus, mas sim pela individualidade de seus ofícios, de seu trabalho. Desse modo, se o mecanismo que unia os indivíduos mudou, também mudaria o tipo de "solidariedade" proposto por Durkheim, a qual agora se denominará "orgânica". Nela a coesão é mantida pela complementaridade de funções, ou seja, por exemplo, o lixeiro precisa do consumidor, o qual necessita do vendedor, o qual, por sua vez, é dependente da empresa que o fornece mercadorias por atacado e assim por diante.

Nas sociedades mais complexas(modernas), em que predomina a solidariedade orgânica, a presença de um elemento estranho não desagrega, mas fortalece a sociedade. Um bom exemplo histórico para isso é a questão do processo de inclusão do negro na sociedade americana a partir da década de 60. Isso foi lento e gradual e ainda está em andamento, mas trouxe vários pontos positivos para a sociedade americana. Primeiro no âmbito democrático; segundo, no lado da coesão social e, finalmente, financeiramente esse processo fomentou o mercado consumidor americano, impulsionando a sua economia  e assim o crescimento do país.

Outro aspecto a ser pontuado nessa parte da obra durkheimiana é o direito restitutivo. O autor faz uma analogia desse direito com o sistema nervoso, atribuindo-o, assim, a tarefa de regular harmonicamente as funções do corpo social. Seria o que chamamos hoje da reintegração do preso à sociedade através do cumprimento de pena no sistema carcerário brasileiro. Porém, isso acontece só em teoria, pois na prática, infelizmente, se observa outra coisa. O preso volta, na maioria das vezes pior do que entrou. Isso demonstra o qual falho está o nosso sistema carcerário está e também que é uma pauta importante a ser discutida pela sociedade brasileira e pelas autoridades competentes a fim de mudar esse cenário vergonhoso das nossas penitenciárias.


O que prevalece na sociedade, um julgamento passional ou técnico?


    Émile Durkheim, no texto do segundo capítulo de seu livro “Da Divisão do Trabalho Social”, problematiza a solidariedade orgânica. Esta, na visão do autor, é o tipo de integração característica de uma sociedade moderna e complexa, a qual funciona como um organismo. A divisão do trabalho é que funciona como meio de especializar as funções de diferentes órgãos, como em um organismo humano, e ela é que acaba por gerar a interdependência dos indivíduos que integram o meio social.
     Mesmo trabalhando com diferentes funções, a sociedade está englobada dentro de uma consciência coletiva, a qual nos remete ao fato social, uma das mais notórias teorias de Durkheim. Nesta teoria, o autor explana que qualquer ação ou pensamento que cultivamos é fruto de determinações sociais, definindo assim a moral, o certo e o errado, o socialmente aceitável e o que é marginalizado – dando as bases à construção de uma consciência coletiva. O Direito entra como aspecto fundamental a essa dinâmica, uma vez que os princípios da justiça, a qualificação das punições, são também fundados pela consciência coletiva.
     Ainda mais do que isso, o Direito é que mantém e consolida essa consciência coletiva. Ele absorve os impulsos passionais dos indivíduos com relação a certos atos e os consolida em normas, ganhando, por isso, a conotação de sistema nervoso do organismo social, visto que através das normas que ele conserva a harmonia da sociedade. E acompanhando as mudanças da sociedade, conforme esta fica mais complexa, o Direito se especializa, suas legislações devem abranger as necessidades de esferas sociais cada vez mais específicas.
     Quando o Direito transforma as paixões da sociedade em norma, ele se reduz à técnica de somente aplicá-las, deixando de lado a humanização do processo. Entretanto, observando a mobilização popular em torno de certas causas, potencializada pela mídia, quando estas envolvem um potencial golpe à integridade da moral, vemos que a passionalidade está cada vez mais recorrente nos julgamentos,  cujos resultados acabam levando em consideração e clamando um resultado condizente com a vontade da sociedade, deixando a técnica de lado para se ater às paixões do meio social ao qual atende. 

Punir ou ressocializar?


Émile Durkheim, em seu texto ”A solidariedade devida à divisão do trabalho ou orgânica”, afirma que as sociedades modernas ou orgânicas são aquelas em que há grande divisão social do trabalho. Há uma interdependência social dos indivíduos devido a essa divisão, ou seja, a diferença entre cada um, entre cada consciência, faz com que eles sejam vinculados socialmente, diferentemente da sociedade mecânica. As pessoas acabam produzindo uma autonomia em relação à consciência coletiva, típica das sociedades mecânicas, dessa forma, aparentemente, o efeito mais importante da divisão do trabalho não é o aumento da produtividade, mas a solidariedade que gera entre os homens. 
O Direito típico dessas sociedades é o Direito Restitutivo. Nele, a principal preocupação é fazer com que as situações geradas por algum crime sejam restabelecidas e voltem ao seu estado original. Alguém que roubou algo, por exemplo, deveria ser tratado e reinserido na sociedade quando estivesse pronto. Para Durkheim, é aí que está a diferença entre as formações sociais simples e as complexas. Nas formações simples utiliza-se o direito repressivo, em que o infrator deve ficar preso pagando pelo crime que cometeu, mesmo que isto o faça sair mais revoltado do que quando entrou na prisão. Já nas mais complexas, o direito visa reparar o dano que foi causado, não apenas castigar o indivíduo.
É fato que não cabe mais utilizarmos a repressão no direito, visto que as superlotações, a baixa qualidade de vida nas prisões, a mistura de distintos crimes em um mesmo lugar, entre outros empecilhos do atual sistema carcerário, como punições aos infratores apenas os deixam mais indignados e agressivos frente à sociedade; o que era para servir como "lição de moral" acaba piorando toda a situação. O ideal seria que todos os presos recebessem orientação, que fossem tratados como seres humanos acima de qualquer coisa que tenham feito, para que um dia eles pudessem, talvez, ter a chance de voltar restabelecidos à vida em sociedade.

Um corpo inocente

 A divisão do trabalho explicada por Émile Durkheim muito bem cabe às diversas sociedades "civilizadas" do globo. Mostra-se nessas sociedades uma forte dependência entre seus indivíduos, depência esta capaz de causar graves danos à sociedade caso abalada. Mas trata-se de uma dependência meramente prática, desvinculada de laços afetivos ou de reconhecimento a qualquer existência alheia à nossa. Uma dependência criada por uma forte divisão do trabalho, e especialização de profissões e talentos, delegando a cada indivíduo sua função perante a sociedade.
 Isso se evidencia em nossa vida cotidiana, onde vemos pessoas com as mais determinadas funções, médicos responsáveis por áreas cada vez mais específicas de sua matéria de estudo, o Direito dividido em áreas diversas para melhor atuar perante os mais diversos casos. Direito este que Durkheim compara ao sistema nervoso de um organismo, limitando, corrigindo e guiando este.
 Limita também, o Direito, a si mesmo, uma vez que divide suas áreas de atuação, enquadrando diferentes casos em diferentes categorias, e proporcionando a estes análises frias e pautadas em normas específicas, sem uma análise mais profunda do todo por trás de cada evento.
 Mas talvez seja esta mesmo a função do Direito. Para Durkheim, o Direito não age em serviço do povo, para melhorar uma situação, mas para corrigí-la, restaurando determinado quadro a seu estado anterior ao fato ocorrido, através da aplicação de sanções ou negociações.
 Esse corpo social então se forma, limitado e "comandado" por um sistema nervoso que nada faz senão manter o funcionamento de seus órgãos, em função de órgãos e células com funções específicas, sem um objetivo muito claro, um norte bem definido. E por mais complexo e especializado que seja esse corpo, consegue ser extremamente incoerente, inocente, e raso, em seu conhecimento de si mesmo e daquilo que o cerca.

Ciclo vicioso da justiça



Na transição do século XVIII para o XIX, surge na sociedade uma grande ânsia pela sistematização do Direito, afinal esse pode ser concebido como ciência? Há possibilidade de desvinculá-lo do instinto humano vingativo? Analisando-se a etimologia da palavra justiça advem do latim justitia, podendo ser compreendido como equidade ou administração da lei. Como um dos pioneiros da formulação dos alicerces para um estudo cientifico, destaca-se o positivista inglês John Austin, com suas obras “The province of Jurisprudence Determined” e “ Lectures on Jurisprudence or the Philosophy of Positive Law”. Entretanto, definitivamente o ápice dessa sistematização veio na obra “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen, focando as normas jurídicas positivas como o campo de estudo do direito, despreendendo-se totalmente da subjetividade.
O meio jurídico moderno está enfatizando com veemência o caráter técnico, com um viés totalmente matemático, desprezando e desconsiderando aspectos valorativos que podem até mesmo ser relevantes para uma correta análise de seus fatos. Sob o âmbito da consciência coletiva, diariamente nos deparamos com discussões a respeito de diversas injustiças e impunidades (o que em muitos casos infelizmente é a realidade), entretanto os agentes do Direito não devem e não podem restringir-se somente a esse aspecto emocional, pois se assim fosse, viveríamos em um quadro de calamidade pública. Afinal, pautado pela teoria de contrato social de Rousseau, percebemos que teoricamente abdicamos de nossa liberdade natural polo poder coercitivo do Esatado, logo cabe ao mesmo o estabelecimento da normatização dos elementos jurídicos  que pautam o sistema punitivo.
Restringindo-se ao âmbito jurídico brasileiro, necessita-se destacar que vivenciamos o sistema de Civil Law, logo as fontes do Direito adotadas são puramente a lei e os textos constitucionais, reverberando mais ainda essa tendência cartesiana. Por outro lado, os países de origem anglo-saxônica adotam o modelo do Common Law, o qual confere uma maior dinamicidade, por pautar-se por jurisprudências, ou seja, conjunto de interpretações das normas do direito proferidas pelo poder judiciário.
Essa aparente matemática jurídica é retrada de modo sensacionalista no filme “Código de Conduta”, do diretor americano Gary Grey. O protagonista do filme (Clyde Shelton), após presenciar o assassinato de sua esposa e filha, recorre a máquina jurídica, entretanto pela escassez de provas concretas, resulta na amenização da pena de um dos assassinos e a decretação de pena de morte do outro. Uma interessante observação, é que o diretor propicia uma cena dramática na hora da morte do prisioneiro por toxinas, o que soergue uma calorosa discussão a respeito dessa prática, entretanto não cabe aqui essa abordagem. Clyde decide então, após 10 anos de preparação, vingar-se do assassino que fora solto pela aparente incompetência do tribunal de justiça, ansiando que esse fosse infalível, uma mera utopia, apesar da grande perda imaterial, que era sua família.
Sob a ótica durkheniana, percebe-se nitidamente o quanto a solidariedade mecânica encontra-se enraizada na nossa sociedade, tanto que se traduzirmos o título original, chega-se a um “Um cidadão exemplar”. O diretor almeja justamente instigar os telespectadores a uma análise a respeito da justiça, afinal alguma justiça é melhor que nenhuma? É extremamente complexo a quantificação da justiça, pois o estabelecimento de modelos pode resultar em inevitáveis injustiças, colocando em cheque a própria solidariedade orgânica, tão aclamada pela sociedade dita como moderna.
Uma observação pertinente é se essa racionalidade é aparentemente inviável, a passionalidade seria útil? Obiviamente que elementos subjetivos também resultariam em injustiças e sentenças proferidas de modo insensato. Portanto, uma linha tênue deve ser traçada entre ambos elementos, soerguendo-se como uma dúvida para as sociedades futuras e estabelecimento de meios jurídicos mais eficientes, agora quanto ao modo, ainda é um amplo mistério, seria Deus um bom intermediador? Novamente retornamos ao ciclo vicioso, logo uma aparente dúvida eterna.

Instinto Coletivo


                Nascemos subjulgados a um contrato, que limita nossa liberdade em nome de uma liberdade ainda maior e melhor. Abdicamos-nos de alguns direitos e entregamo-lo para um estado, que promete cuidar e nos proteger, e seguimos nossas vidas confiantes de que a sociedade funciona, e que as coisas estão certas.
            
              Somos então submetidos a um sistema que promete corrigir e não punir, onde o objetivo é a reabilitação dos que quebram com o contrato social do qual nasceram. E permanecemos então sob essa justiça, do qual não escolhemos, mas fomos induzidos a aceitar e acatar a sua forma.
          
                Mas qual é o primeiro pensamento que temos ao descobrir que algum crime ocorreu? Somos logo, tomados por um senso de justiça, e consideramos as punições brandas, exigindo e cogitando a hipótese de punições das quais não deveríamos pensar. Ligamos a Televisão todos os dias e vemos programas mostrarem crimes, e cobrarem por atitudes mais severas, cobrarem punições mais radicais, e tomados pelo sentimento de vingança desejamos que essas pessoas paguem com o mesmo sofrimento que geraram.
           
               Mais será que realmente é o sistema que está errado? Hobbes acreditava que o homem é mau, que o homem é seu próprio lobo, e que na verdade é a sociedade que o controla. E quando nos deparamos com esse sentimento coletivo de revolta, quando ouvimos da maioria que a sentença a morte seria justa, nos deparamos com o estado natural do homem, o estado de instinto onde não se deseja corrigir e sim gerar dor, onde se deseja vingança, e percebemos que o erro não esta no sistema e sim no homem. No homem que é capaz de errar e no homem que não é capaz de perdoar. E essa identificação coletiva, esse instinto natural que todos têm de vingança, é que faz com que todos sejam suscitados a esse desejo coletivo de “justiça”.

As sociedades modernas e o direito



   Nas sociedades modernas há uma complexa divisão do trabalho, dessa maneira os indivíduos por mais que tenham desejos e características que os individualize unem-se pela complementaridade e interdependência de seus ofícios dentro da esfera social isso é chamado por Durkheim de solidariedade orgânica.
   Nas sociedades modernas a coesão não é mantida pelos valores religiosos, sociais ou costumes mas sim pelas normas jurídicas que estabelecem maneiras de conduta, há contraste entre as  sociedades modernas e as pré-modernas, na primeira prevalece a solidariedade orgânica e na segunda a mecânica.
   Assim as normas jurídicas que regem essa sociedade são expressas através do direito, logo as sociedades complexas serão regidas pela técnica e não pela emoção,um caso de homicídio será julgado não pensando na violência ou na dor dos envolvidos mas sim no respaldo que a lei dá a esse tipo de crime, no tipo de sanção que a lei prevê.
   Direito é portanto, a força da sociedade que intervém para fazer com que os compromissos se cumpram caso o direito não seja a diretriz para uma sociedade as pessoas irão então, agir e fazer julgamentos de acordo com suas emoções gerando anomia na sociedade.


De dentro para fora

            A crescente valoração da individualidade no mundo moderno - sendo apontada por muitos pensadores como um problema a ser ultrapassado - na verdade, aumenta a especialização do trabalho social, criando toda uma interdependência entre os indivíduos; Émile Durkheim chama essa interdependência de solidariedade orgânica. Ele também afirma que o direito é respeitado pela sociedade moderna por amor dos indivíduos por esta; mas será que esse sentimento seria realmente amor?
           Sendo o direito um reflexo da força da sociedade (tese criticada por muitos), com a especialização desta aquele também se especializa. Assim, o que pros modernos era o defeito do direito e da sociedade, acabou se transformando na força desse novo sistema. Porém, a preocupação do mundo moderno é muito maior com o real, com a propriedade, com a relação dos homens com as coisas, com o trabalho; isso juntamente com todo esse sistema complexo de interdependências causam uma injunção social, preenchida pelo direito pessoal, afastando de certa forma os indivíduos e sendo o elemento regulador das vontades das pessoas. O direito ao mesmo tempo engendra a ideia de solidariedade, e mantém a coesão social.
           Logo, se há respeito ao direito, há o interesse em manter a coesão social; entretanto, esse interesse advém de um sentimento de amor por essa sociedade? Talvez não. Pode ser que essa relação junte-se muito mais com a ação do direito pessoal, com o amor dos indivíduos pela própria individualidade; pelo interesse de que tudo funcione não para o bem geral da sociedade, não por amor ao geral; mas por amor ao individual, por amor a sí próprio. Este indivíduo se enxerga já engendrado dentro de todo esse sistema, e dentro dele tenta ascender.
           Sendo assim, talvez o respeito ao direito venha da visão de que este é uma forma de previnir que não se seja prejudicado, e por esse respeito individual de todos cria-se um respeito coletivo.



           Murilo Thomas Aires

À maneira em que se desigualam

     O Direito nasceu dos costumes da sociedade , o chamado “nomus” significa leis ou costumes. E por mais que o tempo tenha passado, e as sociedades tenham evoluído a justiça continua sendo determinada muitas vezes pelas paixões do consenso.
     Na sociedade ateniense não houve uma profissionalização do Direito, uma vez que as normas presentes no direito eram costumes que estavam difusos na consciência coletiva. E, ainda hoje, a impunidade continua ocorrendo nas ocasiões onde a paixão da coletividade não é ativada, ou então a rigidez da pena é fortalecida devido à comoção da população. No passado, como Jorge Amado retrata em sua obra no caso de Sinhazinha, homicídios considerados como crimes para “lavar a honra” (já que honra se lavava com sangue naquela época) eram aceitos como algo lícito; e ainda hoje em nossa legislação há resquícios desse costume, quando comprovada a passionalidade nos crimes a pena é atenuada.
     Por outro lado, os juízes contemporâneos seguem exatamente à risca a legislação, tratando os casos inclusive de maneira pouco “humanizada”, sem observar os verdadeiros motivos e as circunstâncias as quais levaram o indivíduo a se comportar de tal maneira ou a tomar tal atitude errônea.  Esquecem-se do modelo de igualdade presente na Constituição brasileira, principalmente do defendido por Aristóteles, ao dar o veredito.
     Segundo Aristóteles o princípio da igualdade consiste em tratar os iguais à medida em que se igualam e, os desiguais à medida em que se desigualam. Dessa forma, os juristas não deveriam seguir a legislação de uma maneira “quadrada”, mas examinando as condições pela qual o réu passava no momento do ato pelo qual responde, e no período anterior a praticá-lo; para então ter bases não só teóricas mas também circunstanciais para averiguar o caso de uma maneira mais adequada e justa. As emoções e a razão devem ser levadas em conta, e a igualdade à maneira em que se pode ser materializada.


Index Cogitationes Prohibitorum


Há quatro séculos, o mundo deparava-se com uma realidade obscurecida pelas correntes que a Igreja Católica empunhava ao conhecimento, impossibilitando que a luz do racionalismo se expandisse. Tal período histórico abrange a Inquisição e o Santo Ofício, no qual centenas de visionários tiveram que se calar frente uma imensa fogueira, pois qualquer palavra proferida verbalmente ou de modo escrito poderia resultar em mortes horrendas. Soergueu-se um notório autoritarismo e controle ideológico, consolidando-se uma hegemonia de pensamento, que sob hipótese alguma poderia ser desrespeitada. A religião absorveu uma ampla mácula, que repercute até os dias atuais- mas essa exposição não apresenta como objetivo retratar isso-, pois desrespeitou o maior dom que poderia advim de Deus: a própria vida.
Um dos pilares constitutivos da Inquisição foi o Index Librorum Prohibitorum, um índice de obras literárias e científicas que se contradiziam aos dogmas formulados pela Igreja. O Direito Canônico legitimava que todos os livros que abordassem temáticas relacionadas à religião ou aos bons costumes deveriam ser fiscalizados pelo Ordinário local. Inquestionavelmente, uma das piores censuras já presenciadas pela humanidade, no qual ao nos depararmos consideramos como algo fútil e banal, pois já se encontra no nosso cerne o direito à liberdade. Um instigante questionamento que perpassa até os dias atuais refere-se à regulamentação dessa liberdade, a quem cabe essa função? Quais os limites da minha liberdade perante o próximo?
Semelhantemente a essas “trevas”, os alunos da UNESP depararam-se no dia 28 de agosto, com um explícito cerceamento do direito de expressão, como se coubesse a meros revoltosos a opção de escolha do conhecimento cientifico a ser perpassado. Os que estavam presentes no auditório naquela noite, depararam-se com raivosos cães ideológicos que almejavam devorar qualquer discussão de pensamento que ali se instaurasse, impuseram um Index Cogitationes Prohibitorum. Se na consolidada democracia, houve um solo fértil para o surgimento da semente da liberdade, quanto mais em um centro universitário de ciências humanas, que teoricamente deveria ser um espaço livre para discussões diversas e propício para embates, independentemente do gênero.
Irracionalmente, presenciou-se pseudomarxistas que se julgavam os detentores do conhecimento, desprezando qualquer diversidade. Por mero fanatismo, autoritarismo e radicalização, inúmeros “progressistas” demonstraram de onde realmente fundamentam-se, seriam os partidários do SS seus ídolos? O príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança teve inúmeras vertentes de sua liberdade violada de modo desnecessário, um embasamento pautado unicamente por seu posicionamento conservador não é suficiente para tal protesto.
“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. Proferida por Voltaire, essa frase ecoa com veemência aos nossos ouvidos. Sob o âmbito evolutivo, ressalta-se que a fala e a escrita, formas mais gerais de expressão de ideias, diferencia-nos dos demais animais e essas “dádivas” possibilitam à apresentação de nossas ideias aos nossos semelhantes. Logo, depreende-se sob a ótica durkheniana que essa manifestação restriniu-se a uma mera explicitação de consciência coletiva incipiente e refuta a própria racionalidade humana vista sob esse ponto de vista.
A UNESP necessita definitivamente enraizar em seu meio a premissa básica que para a definitiva consolidação do meio universitário necessita da convivência de contrários e não de segregação, mesmo se houver divergências necessita-se priorizar pela urbanidade. Diante do que foi exposto anteriormente, poderia se deduzir um posicionamento de direita apelando para a rigidez da ditadura militar, entretanto trata-se de uma priorização da dialética para que produza constantes questionamentos, e consequentemente produção de conhecimento.