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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A aplicação da racionalidade Weberiana

        A casuística da semana, ou seja, os pedidos pela cirurgia de transgenitalização ( mudança de sexo), alteração do nome e gênero em todos os documentos oficiais (como RG, CPF), realizados por uma transexual da cidade de Jales, no interior de São Paulo, demonstram muito mais do que uma simples mudança estética e judiciária pontual de um indivíduo.
        Este caso da referida transexual ilustra as necessidades e demandas desse determinado grupo, que por sua vez, não tem a garantia de seus direitos abarcados pelo Direito.
        Imaginar que este se caracteriza na atualidade como um sistema normativo-jurídico que abrange e atende a todos na sociedade de forma igualitária é negar a materialidade e se pautar, como teoriza Max Weber, em uma racionalidade pura,
        A época moderna para o mesmo se configura no campo jurídico por uma contante "particularização crescente do Direito", principalmente em torno dos interesses burgueses, interesses esses que de certa forma, norteiam o ordenamento atual.
       É interessante notar, portanto, que este ordenamento que tem por essência servir e obrigar a todos de forma igual - sendo até mesmo este o conteúdo primeiro artigo do atual Código de Direito Cívil- necessitou de uma ordem tácita advinda do judiciário para que se fizesse cumprir, além desse mesmo artigo, o Art.13 desse mesmo código, que autoriza a disposição do próprio corpo (para legitimar a cirurgia de trangenitalização) e os princípios da proporcionalidade, da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da intimidade e principalmente do direito a identidade para que a transexual pudesse realizar a mencionada cirurgia e alterar seu nome social e gênero.
         Um dos argumentos utilizados pelo juíz responsável pelo deferimento da sentença e que também exemplifica bem essa particularização, é o conceito padronizado de família e de sexualidade que a sociedade de forma geral e predominantemente possui. Essa concepção, que na verdade se limita a uma padronização binária dos indivíduos, longe de existir empiricamente na sociedade, se revela em forma de preconceito contra esse grupo de pessoas destoantes, oque se torna uma grande fonte de sofrimento aos mesmos.
          Essa disssonancia entre os cálculos das ações (racionalidade formal), o domínio teórico da realidade (racionalidade teórica) e a ponderação dos valores, ética, política (realidade formal), elementos da teoria Weberiana ficaram explícitos nesse caso, onde além de uma simples demanda individual, era necessário que fossem avaliados também o significado social da decisão, o impacto tanto para a transexual quanto para a sociedade, além da ética e valores intrínsecos nisso.
Indiferença Classista
“Nestes assuntos de sexualidade, ideias resistentes reinam. Não despojamos das roupas sujas. As roupas lavadas vestem o encardimento da indiferença. Travamos, com o diferente, uma luta desigual. O inimigo combatente, que se mostra à nossa frente, é em verdade aquilo que está dentro de nós”. (julgado)
       Isís era uma bela mulher. Inteligente, divertida, o sonho de perfeição de qualquer rapaz. Contudo, possuía um pequeno defeito: não nascera assim. Vivendo boa parte de sua vida com uma identidade com a qual não se identificava, inúmeras foram suas tentativas de acabar com o sofrimento. Porém, ao entender o que se passava, sua família a ajudou a receber a cirurgia de que precisava para finalmente poder ser aceita dentro do meio social. E apesar de todas as agruras em seu passado, Isís finalmente pode ser feliz, já que seu direito fundamental fora respeitado.
       Isís era uma bela mulher. Inteligente, divertida, o sonho de perfeição de qualquer rapaz. Contudo, possuía um pequeno defeito: não nascera assim. Vivendo boa parte de sua vida com uma identidade com a qual não se identificava, inúmeras foram suas tentativas de acabar com o sofrimento. Ela não possuía a quem recorrer, e o fruto de seu trabalho não era suficiente para arcar com os custos da cirurgia de que precisava. Em um rompante de desespero, decidiu roubar a quantia necessária. Isís, lutando todos os dias contra o encardimento da indiferença. Isís, o diferente que ameaça todo o estado de bem estar social. Isís. Não fora uma mulher, eles disseram, contudo facilmente a subjugaram como uma. E ninguém se importou com seus gritos, e nenhum remorso foi sentido quando seu corpo jazia sem vida dentro de uma cela escura.
        Pensador que exerceu uma grande influência dentro da área jurídica, Max Weber apresenta uma série de teorias que envolvem a sociedade atual. De fato, no julgado apresentado, uma mulher trans pleiteia o custeio da cirurgia de mudança de sexo, bem como a alteração de seu nome no registro civil. Essa transexualidade é considerada como uma patologia, pois a encaixam dentro da racionalidade teórica, isto é, dentro de conceitos teóricos do que seria esse fenômeno. Entretanto, esse conceito é carregado de valoração, pois se baseia valores, exigências éticas, políticas, características estas da racionalidade material. Assim, o diferente, já estigmatizado pela racionalidade teórica, pleiteia com um sistema jurídico coberto por lacunas o cumprimento de um direito que lhe é natural e fundamental e o respeito à dignidade da pessoa humana. Entretanto, segundo a racionalidade do direito em Weber, não deveria o direito ser um sistema sem lacunas? Como demonstram as mudanças pela qual passa o meio social, esse sistema sem lacunas é complexo demais para ser conseguido, e neste âmbito a hermenêutica jurídica, como no caso apresentado, ajuda a adequar as lacunas deixadas pelas leis às mudanças da modernidade.
     Ademais, não deveria o direito fluir do âmbito material para o formal? Não seria o próprio corpo uma propriedade privada e, portanto, caber-se-ia sua livre disposição? Com toda certeza, porém não é o que acontece na prática. Na história acima, os mesmos direitos naturais foram tratados de maneira desigual devido à diferença entre classes. A racionalidade material não é suficiente para fluir ao âmbito formal quando esta está impregnada pela ideologia classista. Mesmo o direito a propriedade privada - tão aclamado pelas classes dominantes - não é respeitado quando se trata de concedê-lo a uma minoria que amedronta por não se encaixar na padronização imposta. Livraram-se deles. Sim, é bem o modo dos senhores procederem. Livrar-se de tudo o que é desagradável, em vez de aprender a suportá-lo. (Admirável Mundo Novo)

A realidade não cabe numa única racionalidade

Max Weber explicou em “Economia e Sociedade” como a modernidade se constrói a partir de dinâmicas de racionalização da cultura e da sociedade.  
            A racionalização se expressa em vias distintas: racionalidade formal, racionalidade material, racionalidade teórica e racionalidade prática. A primeira se constitui na previsibilidade das ações e seus desdobramentos, a segunda se relaciona com os valores dos fins realizados por um grupo, a terceira é a teorização da realidade e última trata dos métodos utilizados para a consecução de determinados objetivos.
No campo do Direito, a racionalidade formal está representada no direito positivado, enquanto os casos concretos no qual se aplicam as decisões jurídicas manifesta a racionalidade material. Por sua dinâmica de racionalização, o direito caminharia da “material” para a “formal”, pois pretende ser aplicação lógica da lei universalista e que não permite lacunas posteriores. Mas, conforme Weber demonstra , na concretude capitalista, ele é fragmentado e individual, contemplador dos pressupostos éticos de um grupo determinado, e como parte da racionalidade “formal” para a “material”. Logo, afirma Weber racionalizar nada mais é do que capturar a realidade segundo interesses específicos de grupos sociais.
Analisando um julgado, podemos entender ainda melhor. Trata-se do caso de um transexual de Jales, que tendo seu tratamento hormonal no hospital de São José do Rio Preto cortado e o custeamento de sua cirurgia de transgenitalização impossibilitada pelo SUS, ajuizou uma ação. Julgada pelo magistrado Fernando de Lima, este lhe concedeu uma tutela antecipada para que realizasse a cirurgia e mudanças de nome e gênero condizentes com sua identidade.
A Constituição Federal de 88 trata de impor: cidadania, dignidade da pessoa humana, e pluralismo político como alguns dos princípios da democracia brasileira; como alguns objetivos desta uma sociedade livre, justa, igualitária, e promotora do bem de todos sem discriminação; como direitos fundamentais a proteção da honra e imagem, a liberdade de expressão, a saúde, a educação, o trabalho; e prevalência dos direitos humanos como um dos princípios republicanos. Também o Código Civil/2002 prescreve como alguns direitos personalíssimos a permissão de disposição do próprio corpo com exigência médica e direito ao nome. Apesar disso, pode-se considerar tal como feito pelo juiz de direito em seu deferimento, que muitas vezes, transexuais estão impossibilitados de exercerem esses direitos, pois sua identidade e expressão opostas ao seu sexo biológico os tornam alvos de preconceito, vilipêndio, privação social de estar numa instituição educacional e de conquistar empregos e como decorrente de tudo isso a um sofrimento psicológico também.  O magistrado não criou direitos para o requerente, mas expandiu o alcance da lei a favor dele pela hermenêutica jurídica.
É importante reconhecer a racionalidade formal presente nas leis como utópica, pois valores são expressos pela classe dominante para si mesma. Porém, pode-se se pensar de forma que contemple outras classes como fez o magistrado. A decisão de Lima serve para mostrar que a realidade pode ser pensada fora de uma perspectiva conservadora.

Aula 1.2. J. Victor Ruiz. 1º Ano de Direito (Noturno).

Aula 1.2

Há na concepção weberiana de direito um embate entre o material e o ideal - "formal" - que se configuram como uma dialética entre aquilo que se apresenta na lei, no "calculado" com o que acontece no mundo, nos casos práticos. Por ser impossível a previsão de todos e quaisquer casos, fatos e necessidades futuros, é imprescindível uma "atualização" da estruturação jurídica, com base nesse movimento dialético, ou seja, na renovação do direito com base nas mudanças da sociedade, acompanhando-a. Para tanto, o direito apresenta diversos mecanismos em seu funcionamento que o tornam capaz de alterar-se. 
Tais mudanças no ordenamento jurídico são acarretadas, pois, devido à incorporação e renovação de conceitos, como no caso apresentado, o qual retrata a urgência de eliminação do estigma na imagem de transexuais. Apesar do ideal de igualdade sobre as pessoas, a padronização social e a hierarquização de valores sociais construíram, gradualmente, uma sociedade com aversão ao “diferente”, “fora do padrão”, cuja ordem sofre altos riscos com a assimilação daqueles que a “confrontam”. Como surge no caso julgado, em que “nos termos da Resolução 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina, o transexualismo é ‘um desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e ao autoextermínio’”1
É claro o caráter discriminatório desta visão, rotulando a subjetividade humana como desvio e associando isso à automutilação e ao autoextermínio. Longe disso, os casos de mutilação e “extermínio” são fortemente relacionados à rejeição da sociedade em relação a tais pessoas. A ordem, rígida, “correta” e quase sagrada, introduzida e construída na sociedade implica no sentimento de inquietação e estranhamento daqueles que se veem “fora dos padrões” e são vistos como “estranhos”. "Cumpre, antes de tudo, retirar essa capa patológica desse modo de viver e ser, acolher e escutar, como o faz a clínica psicanalítica, outras manifestações das subjetividades, saber movimentar-se reflexivamente melhor nesse campo movediço que é a sexualidade, evitando imposições que procuram moldar tecnologicamente o corpo humano."2
Portanto, a racionalização formal do direito – apropriado pela burguesia – e a racionalização material – que foi forjada com os valores burgueses – precisam de novas visões, pois o direito como ferramenta para uma “única classe” – classes, grupos ou pessoas dominantes – perde sua essência pluralista. A “Constituição deve compatibilizar a unidade e a integração do sistema jurídico com as bases pluralistas”3 o que a faz “reconhecer todas as formas de viver, desde que não violem direito alheio”4
1 – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO VARA DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE JALES  p. 2
2 – Ibidem
3 – Idem, p. 5
4 – Ibidem 

Roan Dias 1° ano Direito Diurno 

Racionalidades material e formal e sua aplicação prática

No ano de 2013, na cidade de Jales, no Estado de São Paulo, uma mulher transsexual pediu, na Justiça, seu direito à cirurgia de transgenitalização, bem como mudança para o nome social e mudança de gênero nos documentos oficiais. Para embasamento, ela utilizou o art.13 do Código Civil de 2002 - que versa sobre a livre disposição do próprio corpo para exigência médica - e seu direito fundamental à isonomia e igualdade, disposto na Constituição Federal de 1988.
Sob a ótica weberiana, que discorre sobre as racionalidades formal e material no Direito, podemos analisar o caso julgado nessas duas perspectivas. Considerando o caráter prático e normativo da racionalidade formal, em teoria, o julgamento do juiz do caso foi o correto. Viver como homem prejudicava a saúde psicológica da transsexual, além de humilhá-la socialmente com uma frequência regular e desrespeitar seu direito a uma existência digna - como tudo isso é previsto e regulado pela lei máxima do país, a Constituição, corrigir seus documentos e autorizar a cirurgia de transgenitalização foi normativamente apurado, apesar de não existir lei específica a esse respeito.
No entanto, se observarmos o caso sob a ótica da racionalidade material, e considerarmos os valores sociais que cercam o assunto, a decisão do juiz não foi a mais acertada, por desrespeitar a moral cristã que prevalece no Brasil atual.

Forma e Matéria em Weber. Identidade e Gênero.


Max Weber confronta as concepções de Direito formal e de Direito material para indicar a quem serve o Direito: ao grupo cuja razão se faz hegemônica em certo momento histórico. 

O Direito concebido abstratamente se apresenta como racional e universal na forma. Essa concepção ideal se edifica a partir da previsibilidade e da sistematização do Direito dito natural, costumeiro. A segurança, a manutenção da ordem estabelecida e a solução de conflitos se dariam a partir de leis cuja essência é inerte e universal. 

Do plano das ideias à realidade prática, o Direito padece da propalada racionalidade universal. A operacionalização do Direito rompe com a razão e assume valores éticos do Direito material. Da perspectiva universal restam apenas interesses de grupos próximos ao poder dominante. O conflito se estabelece a partir da diversidade de pleitos na sociedade moderna, mas a mutação do Direito se limita, muitas das vezes, à miragem formal. De fato, essa dominância do particularizado em relação ao universal equivale à prevalência do Direito material sobre o formal no exercício da Justiça. 

Vale dizer que, no Direito, a forma comporta tudo; ela é ideológica, utópica, uma ilusão. Enquanto a matéria é restrita; ela se molda aos anseios do poder dominante na manutenção da ordem estabelecida e na promoção do mercado. 

A esfera do Direito dialoga com outras como cultura, educação, trabalho e religião, que também manifestam seus valores nas leis. A identidade de gênero atribui a cada sexo seu papel social. Apesar de algum avanço na igualdade material de direitos entre homens e mulheres, a identificação de sexo de cada indivíduo ainda assinala, exclusivamente, sua identidade de gênero. Acima desse preceito arraigado na sociedade, há o direito fundamental à identidade, que deve ser tal como percebida pelo próprio indivíduo. 

A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo – favorável ao pleito do indivíduo que deseja submeter-se à cirurgia de mudança de sexo e à alteração no registro civil – fortalece a perspectiva formal do Direito em uma sociedade cuja prática jurídica é predominantemente material, conectada aos bons costumes. O mérito do caso representa ruptura da matéria apegada ao sexo biológico da pessoa e ascensão da forma da universalidade do direito fundamental à identidade. 

Direito e suas razões

Quando se defronta com as diretrizes do Direito e suas aplicações práticas, se passa pela cabeça, muitas vezes, a seguinte questão: o Direito é composto de racionalidade? O que seria tal razão e quais suas características? O que leva a jurisprudência a relacionar as normas e valores intrínsecos da sociedade? As normas elaboradas são uma forma de dominação de certo grupo? Não é fácil relacionar as teorias jurídicas e sociológicas deparando-se com casos que emergem à sua frente conflitando com tais questionamentos. Entretanto, Max Weber analisa as referentes racionalidades das quais o Direito está delegado, não se pautando de sua própria noção de racionalidade, mas sim olhar mais profundo na relação do Direito com esta.
Assim, Weber aborda as caraterísticas de racionalidade propensas nesse fenômeno social: formal, material, teórica e prática. Diante disso, explicitar-se-á aqui um caso real que possibilite a análise da racionalidade e diretrizes do Direito em relação ao real. Com isso, o que se verifica nesse caso é o pedido de tutela antecipada por meio de um magistrado para a cirurgia de transgenitalização por meio do sistema público de saúde, além da modificação do registro civil de seu nome bem como o gênero de masculino para feminino e também tais mudanças em documentos como passaporte, CPF e RG. Tal requerimento por parte da autora seria por motivos emocionais por não se identificar desde os 7 anos de idade em seu corpo biológico, sendo objeto de preconceito, humilhações e marginalização da sociedade aos documentos e nomes não condizer com seu sentimento de identificação e modo de viver. Então, além de ingerir hormônios para melhorar o seu bem estar, a autora passa por tratamentos psicológicos para que possa ser realizada a cirurgia em detrimento de sua identidade e saúde mental.  
Entretanto, o procedimento cirúrgico não foi custeado pelo sistema público, fazendo com que a autora recorresse à justiça para que, tendo em vista o Direito como portador de isonomia, garantisse seus direitos fundamentais de identidade, liberdade, privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana. Em meio a isso, as racionalidades de Weber se fazem presentes e se conflitam: em primeira instância, o Direito de maneira formal constitui-se as ações previstas e positivadas, possibilitando condutas em processos e produzindo efeitos. Ademais, a racionalidade formal de Weber é baseada pela material ao dispor de forma técnica valores éticos, políticos de um determinado grupo caracterizando assim, uma forma de dominação por meio do sistema jurídico.
Portanto, o magistrado do caso postou-se de uma racionalidade material a partir da formal que está habilitada na Constituição com seus direitos fundamentais além dos direitos humanos. Então, ao conceder a tutela antecipada das ações requeridas pela autora, o juiz porta-se de racionalidade material ao defender e averiguar normas e princípios no ordenamento que respeitem e garantem a liberdade, identidade, intimidade e dignidade aos transexuais, cabendo ao Direito resguardar não só a certos grupos que dominam, mas a todos. Afinal, trata-se de pessoas e suas vidas, sobretudo.

Ana Caroline Gomes da Silva, 1º ano Direito noturno

Weber e o conflito de racionalidades

 Um julgado de Jales a respeito de uma cirurgia de transgenitalização e de uma mudança do nome e sexo, civilmente registrados, resultou em uma tutela federal para que houvesse uma assistência do governo na realização de tais procedimentos. Embasado no direito à liberdade, à igualdade, à intimidade e à saúde, previstos na Constituição Federal de 1988, o juiz alegou que havia, sim, a necessidade de uma interferência estatal para garantir que a parte-autora tivesse, então, seus direitos preservados. Visto que essa sofreu inúmeros constrangimentos por, ao tentar adaptar seu corpo e se portar do modo como se identificava, tomar hormônios e se vestir como o que é socialmente estereotipado como feminino. Além de, através de um acompanhamento psicológico, estar plenamente convicto de que desejava realizar a cirurgia e a mudança de nome, até mesmo por sofrer graves crises depressivas por não se identificar com o próprio corpo. 
 Analisando tal julgado pelas lentes do pensamento Weberiano, podemos compreender que houve uma abrangência do âmbito da Racionalidade Formal, pois o embasamento dado à sentença e à argumentação foi totalmente de acordo com os preceitos e diretrizes já previstos em lei; mas pode-se observar também, o que Weber chama de Racionalidade Material, pois houve, claramente, o atendimento de minorias, no caso o movimento LGBT, que muitas vezes o legislador não tem como objetivo principal atender. 
 Desse modo, é extremamente claro como o pensamento Weberiano ainda se faz atual em alguns aspectos, visto que ele afirmava que a realidade é um confronto de diferentes racionalidades. Entretanto, também podemos depreender que, mesmo com todo o formalismo e a necessidade de normas positivadas, meio pelo qual o direito atua principalmente, esse não precisa ser totalmente retrógrado e elitista, mas pode servir também, por meio de sua própria aplicação, para atender partes que em sua primeira intenção não seriam naturalmente protegidas. Fica claro então, que o direito pode, sim, atender às minorias e atuar como instrumento de apaziguamento da sociedade em todos os seus engendrados conflitos. 

Giovana Galvão Boesso
1º ano- Direito diurno

Direito como promotor de mobilidade social

A incongruência entre a identidade de gênero – identificação de cada pessoa como homem ou mulher – e o fenótipo físico é característica da transexualidade. Como consequência desse modo de ser, transexuais buscam adequar-se por meio de hormônios e intervenções cirúrgicas. Em 2013, na cidade de Jales, em requerimento à Fazenda Pública do estado de São Paulo, o procedimento de transgenitalização era um dos pedidos de uma mulher transexual; como, também, a mudança de seu registro civil. 
O pedido apoia-se no art. 13 do Código Civil que permite "a disposição do próprio corpo por exigência médica" – no caso, mediante os laudos e atestados psicológicos e psiquiátricos – e no bom acolhimento de casos semelhantes na jurisprudência do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça. A interpretação do artigo mencionado, assim como o respaldo da Constituição Federal no direito fundamental à identidade – implícito no direito à liberdade, igualdade, privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana –, que sustenta o requerimento, são exemplos da adequação do direito positivado às necessidades da sociedade. 
Max Weber discorre, em sua obra Economia e Sociedade, sobre o direito racional formal e o direito racional material. Opondo-se uma a outra, as duas formas de racionalidade desenvolvem uma relação cíclica de dualidade. De um lado, o direito racional formal é dotado de previsibilidade, uma vez que caracteriza-se como sistematizado, positivado. Do outro, presente no sistema de Common Law, o direito racional material busca justiça por meio do caso; racional, o direito casuístico foge da burocratização em cima de leis congeladas, moldando-se à demanda de um determinado grupo. 
No caso da comarca de Jales, o direito racional formal está na Constituição Federal e no Código Civil: exemplos do direito positivado. Entretanto, é utilizado do direito racional material quando o requerente usa da jurisprudência favorável – interpretação do código e de seus direitos fundamentais pelo Poder Judiciário – para sustentar seu requerimento, legitimando, por meio da humanização, novos direitos. Segundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, "toda sociedade em que a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação de poderes está determinada, não tem Constituição"; é, por tanto, imprescindível que, por meio do princípio da isonomia, o direito seja promotor de mobilidade social.

Alexsander Alves,
Ingressante do Direito Noturno (XXXII, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais)
De acordo com Weber, a modernidade, como nós conhecemos, é constituída por algumas espécies de racionalidade. Sendo elas a formal, material, teórica e prática. No direito se aplica os dois primeiros tipos de racionalidade. A formal possui um caráter calculável das ações e seus efeitos e a material considera exigências éticas, valores e etc.
Weber ainda elenca alguns elementos da racionalidade do direito, como a necessidade de que uma decisão jurídica de um fato concreto seja baseada em uma noção abstrata e que o direito objetivo deve ser um sistema sem lacunas de disposições jurídicas.
Na comarca de Jales, uma transexual entrou com uma ação pleiteando uma cirurgia de mudança de sexo, alteração do nome e do sexo masculino para feminino no registro civil. A parte-autora possui um corpo com características masculinas, mas psicologicamente se identifica com o sexo feminino, o que é caracterizado como transexualismo. Ela fez um acompanhamento com psicólogos que concluiu que a parte-autora está segura para fazer essa cirurgia.
A decisão do juiz foi favorável à transexual, tendo em vista que tanto a doutrina e a jurisprudência dão respaldo a essas mudanças e que caso a parte autora não adequasse seu físico com o psicológico, poderia desencadear tendências suicidas.

Ao analisar esse caso prático de acordo com a teoria weberiana, percebemos como a racionalidade realmente vai do formal ao material. Além disso, o juiz utilizou uma analogia para julgar esse caso, visto que na legislação não possuía nada sobre o assunto. Ou seja, como o direito à identidade é garantido por tratados internacionais, ele presumiu que essa mudança de nome também é legal.

A identidade transexual e racionalidade weberiana

        A dualidade entre a racionalidade formal e a racionalidade material de Weber pode ser vista em grande parte das disputas jurídicas, tanto as brasileiras como as estrageiras. Este fenómeno ocorre, pois, embora a racionalidade formal seja algo calculista e metódico, que leva em conta a norma e os fins objetivos e racionais de cada ação, a racionalidade material predomina na consciência coletiva. Este ultimo tipo de racionalidade se prende a valores pré-estabelecidos, vem carregado de características ideológicas, como princípios religiosos ou de boa fé; e, graça a isso, dificulta todo um processo de abertura, flexibilização e humanização do direito como um só, uma vez que esses valores impedem a evolução do pensamento jurídico. 
        O julgado discutido em sala se refere ao pedido de uma mulher transexual, requerido pela Fazenda Pública, de alteração de prenome no registro civil, e da autorização para a realização da cirurgia de redesignação genital - o termo comumente usado, "mudança de sexo", é erróneo, uma vez que quem pleiteia por esse tipo de cirurgia não quer apenas trocar seu sexo, como se tal coisa fosse algo fútil, mas sim, adequar seu fenótipo ao sexo com que nasceu em sua consciência. Esse pedido é reflexo de uma crescente discussão e amadurecimento no tratamento jurídico das pessoas transexuais, que vem desde sempre sido marginalizadas por sua condição de nascença em vista ao sendo comum moroso. 
        Quando existe a discussão sobre esse pedido da mulher transexual, entram em conflito a racionalidade formal e a material de Weber. Formalmente existe a questão da garantia de vida digna da pessoa humana do caso julgado, uma vez que não tendo seu género em coexistência com seu fenótipo e sua identidade, há a repressão, a não garantia dos direitos fundamentais; não existe, por exemplo, a garantia da identidade, prevista no código civil logo em seus primeiros artigos. Além disso, a consequência dessa repressão é destrutiva, uma vez que a pessoa transexual tenderá a sua automutilação e autodestruição, contrariando, portanto, a integridade física; tudo isso sem contar os grandes danos psicológicos sofridos pelo individuo. 
       Levando em conta a racionalidade material, por outro lado, teríamos uma gama de ideias com base meramente valorosas contra tudo o que foi citado. Princípios religiosos, de que nascemos com o corpo designado por "Deus" e que seríamos obrigados a viver e nos contentar com este e de que não aceitar seu género, configuraria pecado, é um exemplo. Os preconceitos morais, amplamente difundidos, recairiam também sobre esta pessoa. O desprezo pela condição do outro, por não compreender seu conflito psíquico, já que a maioria dos que refutam e negam veementemente a condição transexual mal saíram de seu lugar comum, de seu berço de privilégios, da sua maioria branca, hétero, classe média - somado a uma grande falta de empatia, são as causas da oposição 
        Weber discute o direito em todos os âmbitos da sociedade, económico, social, político, religioso, etc. pois acredita na interligação destes e em como os valores, elementos, meios e fins, constituem as ações do direito. Sendo assim, embora se leve em conta a  materialidade, o pensamento racional formal deve prevalecer, pois é o que melhor fundamenta os fins, através de meios que buscam solucionar os impasses ressaltados pela oposição, como posto no julgado (exemplo, o acompanhamento psicológico de todos os que requerem esse tipo de cirurgia, para que não exista arrependimento); além de ter embasamento em muito mais esferas. Privar alguém de se sentir quem ela realmente é nunca deve passar, muito menos baseada em antigos e obsoletos valores. 
  
Stephanie Bortolaso - Direito Noturno

Racional Material

Max Weber foi um intelectual alemão, considerado um dos fundadores da sociologia. Produziu importantes obras nos campos do direito, economia, ciência política e administração.
Para a análise do caso de transgenitalização insta, premilinarmente, compreender as formas de racionalidade, segundo Weber.  O autor considera que ressalta que existem quatro tipos de direito: Irracional Material; Irracional Formal; Racional Material; Irracional Formal.
O direito Racional Material se caracteriza pela previsibilidade e calculabilidade. Contudo sua principal caracteristica está na edificação de conceitos. Para esta forma de raciocinar o direito, a utilização unica do saber jurídico não se faz total, assim, torna-se primordial a concatenação de diversas ciências. Outrossim, o julgado sobre a transgenitalização apresenta, por óbvio, esta forma de raciocínio jurídico. Para tanto, o juiz responsável pelo texto utlizou-se de uma variada sorte de ciências de modo que seu parecer fosse dotado de certa completudide.
Pode-se dizer, portanto, que dada a obstrusidade dos temas jurídicos modernos e, forçosamente, sua coalizão com uma gama de outras matérias que, no mais das vezes, distanciam-se do direito. Com isso, torna-se truísmo que o conhecimento jurídico não é mais o único saber necessário para a realização da justiça. Assim, para o jurista cabe o papel de conhecedor do texto normativo, todavia cabe à ele analisar diversos laudos de matérias não-jurídicas e, à partir de então, produzir justiça

A Racionalidade weberiana e o transexualismo

O julgado fala do caso se uma pessoa que pediu a cirurgia de mudança de sexo, além da mudança do seu prenome e do seu registro civil para que esse constasse o sexo o qual se sentia, realmente: feminino e não como nasceu, masculino. Durante o processo, houve uma série de decisões que podem ligar-se ao pensamento de Max Weber.
Para a maioria da sociedade a transexualidade é considerada uma patologia, porque foge do que eles consideram “normal”. O Conselho Nacional de Medicina concorda com esse modo de ver a transexualidade.  Eles alegam usar a Racionalidade Teórica (domínio teórico da realidade) por levar em conta conceitos médicos para justificar essa denominação (uma pessoa não se sentir confortável dentro de seu próprio corpo). Porém, essa visão é carregada de Racionalidade Material, pois leva em conta valores da classe dominante e exigências éticas (sociedade hierarquizada, indivíduos moldados que precisam se encaixar num padrão, e se não se encaixarem serão excluídos e sofrerão o resto da vida através do preconceito).
Conselho Federal de Psicologia e a França têm uma visão de que a transexualidade é um modo de ser e viver, levando em conta a Racionalidade Material, que difere da outra por ter outros valores – a Racionalidade Material toma diversas formas, ela é ramificada por levar em conta os valores. Para eles cada um tem sua individualidade e o direito de ser quem quiser, mesmo que seu psicológico não esteja de acordo com sua fisiologia. Por isso é de direito que eles queriam e tenham o amparo do Estado para poder ser quem desejam ser e não quem a sociedade quer que eles sejam. A individualidade tem que ser respeitada. “Patologizar” as diferenças é desumanizar o ser humano.
A sentença do juiz a favor do transexual autorizando a cirurgia foi totalmente justificada por ele. Ele deixou de levar em conta conceitos biológicos ultrapassados e passou a usar conceitos psicológicos modernos para conseguir que sua decisão fosse totalmente dentro do que a Constituição Federal defende. Respaldou-se nos Direitos Fundamentais propagados no art. 5º, §1 da CF, usando o direito a identidade e da personalidade. Sendo assim, a cirurgia foi autorizada. Essa decisão dá a impressão que se chegou a Racionalidade Formal, em que todos são iguais perante a lei. Mas, sabe-se que essa foi uma dentre as milhares que não foram concedidas. Além disso, a Racionalidade Formal é utópica – já definiu Weber – por que a sociedade é formada por grupos diferentes e cada um quer defender seus interesses.

Muitos acusam o Poder Judiciário de, com essas decisões, estar se parlamentarizando, pois isso é uma decisão que deveria ser proposta, deliberada e criada uma lei especial para atender esse tipo de segmento. Porém, sabe-se que o Congresso Nacional ainda é conservador e que uma decisão em prol das minorias – ainda mais essa minoria – seria muito difícil de ser aprovada. Onde fica o direito dos transexuais em ser quem quiserem ser até lá? O judiciário tem sim que agir a favor das minorias, pois ele, além de atualizar o modo de pensar, ainda gera a mobilização dessas parcelas da sociedade para que possam lutar por seus direitos.

Desirrè Corine Pinto
1º ano Direito - Noturno 

Reflexões Weberianas do Caso de Jales

Embora o nosso direito queira dar saídas e soluções aos dilemas da vida em sociedade, nem tudo consegue-se resolver por um compilado de códigos, pois a vida humana transcende e torna-se complexa para que consiga se limitar ao Code Civil, nisto encontraremos uma divergência na materialidade e formalidade do direito. Porém como já nos afirmava Weber que no mais das vezes somos levados a aceitar simplesmente como "máximas" e assim adapta-las à prática dos problemas concretos.
Perplexidades  que não são previstas, tornam-se comuns, no entanto procura-se demonstrar que a Lei supostamente fora criada livre de preconceitos e estigmas, ou seja, puramente pela racionalidade humana recebendo seu conteúdo somente do sadio bom-senso. Será mesmo que tudo isso fora criada de forma neutra ? Weber categoricamente afirma: Nada é neutro.
Ao termos contato com o julgado da comarca de Jales à respeito do transexual que pleiteou cirurgia de mudança de sexo pelo SUS, mudança de nome nos documentos e de gênero na qual através da sentença do juiz Fernando Antônio de Lima  o requerente conseguiu deferir tais reivindicações, fora com muita degradação psicológica, preconceitos, sofrimento e discriminação ao longo de sua vida que o requerente conseguiu obter o que deveria ser de todos sem qualquer tipo de exceção que é a dignidade humana, apesar disso a sua situação para alguns foi tida como problema de saúde pública que poderia ser agravada para um possível suicídio, mas como bem disse o magistrado "patológico, doente não é o transexual. Patológico é a sociedade tecnológica, administrada, capitalista, que trata os problemas sociais, as diferenças como enfermidades, exatamente para 'cura-los', de forma que o padrão seja cristalizado". Nisto observa-se uma oposição aos criadores e práticos do direito, pois pela dita racionalidade substantiva, que interpreta a realidade social em função dos valores pré estabelecidos num "contrato" entre sociedade e Estado houve um comportamento contrário as máximas do direito, tendo sindo interpretada segundo um "direito fundamental implícito"
Contudo a materialidade da vida deveria influenciar mais o direito formal, dando suporte a qualquer que seja o direito, ainda que não observado na forma de lei, mas que desse melhor respaldo nas decisões, que evite ser feita segundo os vícios e paixões do aplicantes do direito e da maioria dominante.



Lemuel Victor Dias
1º Ano Direito Noturno

O Direito aliado a uma Racionalidade Material

  O caso julgado discutido em sala de aula trata de um indivíduo transexual que, por sentir-se mulher desde pequena em um corpo masculino, decide que quer realizar uma cirurgia de transgenitalização, além de alterar nome e gênero em seus documentos. Diante disso, ela é acompanhada por um tratamento psicológico para atestar que ela realmente se insere nesta situação, como indicado pelo Estado para que sejam possíveis tais pedidos. No fim, o judiciário acata o seu pedido.
  Ao relacionar com os pensamentos de Max Weber, percebe-se que este caso é mais um  que se insere entre uma racionalidade formal e outra material. Em sua obra, estudada em sala de aula, foi levantado que o primeiro tipo se estabelece mediante caráter calculável das ações e seus efeitos, ou seja, ela é livre de influências externas e baseia-se praticamente na razão. Já a segunda leva em conta valores, exigências éticas, políticas, etc.  
  Para Weber, a racionalidade formal deveria acompanhar o direito e servir de base para as decisões e penas, já que ele não sofreria influência de nenhum tipo de grupo social. Porém, esse pensamento seria utópico, pois é impensável dizer que alguma lei ou decisão dentro do mundo jurídico não sofre nenhuma influência. Isso poque o direito é praticado por seres humanos, que como todos, são repletos de vícios e preconceitos. 
  Voltando ao caso, o judiciário utilizou os princípios fundamentas, principalmente, para acatar o pedido do indivíduo transexual. Além disso, houve o reconhecimento que a situação do pedinte causava sofrimento e grande preconceito contra ele. O que caracterizou uma decisão baseada em uma racionalidade material, que levou em conta valores externos ao que seria o "formal". 
  Diante disso, vemos um avanço ao direito, que em grande parte das situações deve levar em conta alguns aspectos que levem ao bem estar daqueles que reivindicam por algo. Passando sempre longe de preconceitos.
  
Caio Mendes Guimarães M. Machado
1º ano Direito - Noturno

Não serei a jurista de um mundo caduco


Não serei a jurista de um mundo caduco.
Também não cantarei a Constituição.
Estou presa ao formalismo mas olho meus companheiros
Entre eles, considere dia-noite uma legitimada opressão.
O presente é tão grande, a Liberdade é tão utópica.
Nos afastemos sim (da lei), vamos de mãos dadas.

Não serei a jurista de Montesquieu, de uma história.
Não  fomentarei o Direito classista, a liberdade "natural"exclusiva.
Não distribuirei burocracia ou a burguesa ideologia.
Não defenderei os bens nem me prenderei só a artigos.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

 Não serei a jurista de um mundo caduco.
Também não deixarei de humanizar o Direito, dutibilizar a Carta.
Estou presa ao que me é justo.
Estão os direitos fundamentais não apenas no material
Entre eles, o 2º, 5º e 13º vão além
O formal é tão grande, o  racional também
Nos afastemos sim (da lei), vamos de mãos dadas.

Não serei a jurista de um patriarcado, de uma história.
Não abandonarei tantas parte-autoras, não engolirei patologias.
Não ignorarei o pluralismo, a diversidade, o art. 1º.
Feitiço contra o feiticeiro;
Código também é arma do alheio.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


Paródia poema "Mãos Dadas", Carlos Drummond de Andrade. 

Giulia Dalla Dea Vatiero
1º ano, Direito Diruno. 
As contribuições intelectuais de Max Weber para a humanidade não se limitam exclusivamente ao campo da Sociologia, área onde o autor é considerado como um dos nomes mais importantes da história. Seus estudos sobre o Direito são também bastante ricos e permanecem atuais.  Weber entende que o Direito, fruto da racionalidade do ser humano, se expressa dentro de um escopo que vai do formal ao material, sendo que o primeiro se estabelece mediante caráter calculável das ações e seus efeitos e o segundo leva em conta, por exemplo, valores e exigências éticas e políticas. Ao analisarmos o caso de um transexual exigindo no Judiciário seu direito à liberdade e identidade, assegurados pela Constituição Federal, por meio de uma cirurgia de transgenitalização e a mudança de prenome, observamos a materialização de um direito formalmente posto no ordenamento jurídico.

Vinicius Bottaro - Noturno

Felicidade: direito racionalmente material

Tutela antecipada é o ato pelo qual o juiz pressupõe como imprescindível o rápido efeito de julgamento de mérito, apropriando à sentença um caráter de urgência. E, a partir dessa medida, que o julgado requerido pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo em relação ao pleito de cirurgia para mudança de sexo, alteração do prenome no registro civil e modificação do sexo masculino para o feminino da transexual é colocado como importante no âmbito jurídico não só por existir Constitucionalmente como direito fundamental, mas principalmente por ser um princípio propriamente humano e digno.
A Teoria Weberiana, além de discutir a racionalidade e a racionalização, estuda o direito como produto de uma ação social política, religiosa e economicamente influenciada, possuindo como medidor racional quatro elementos: os meios, os fins, os valores e os elementos de cada ação: “A ação será tão mais racional quanto mais o ator levar em consideração todos tais aspectos. Esta discussão é fundamental, pois a problemática da racionalidade, em Weber, é elaborada tendo-se em vista compreender, a partir dela, a especificidade das ações sociais” (SELL, 2012, p. 163). Logo, se a utilidade racional da ação é sua especificidade, como o direito formal pode abranger as mais diversas situações sociais?
Há quem diz que o Direito puro e positivado é padrão do bom, assim como quem considera operador do direito um jurista. Mas na vida real – racionalidade teórica – as coisas não funcionam no ‘dever ser’ nem são causos hipotéticos do Código. Quando existe uma petição requerindo uma transgenitalização com afirmação social escolhida de gênero no registro civil, existe uma ação social específica, em que um ser humano necessita do aparato jurídico para garantir um direito que é seu não por estar escrito, mas por existir independentemente de uma ordem jurídica positivada. Weber classifica esse tipo de pensamento como Direito Materialmente racional, no qual os “problemas jurídicos sofrem a influência de normas qualitativas, como imperativos éticos, regras de convivência (utilitárias ou de outra natureza) ou máximas políticas que rompem com o formalismo jurídico” (SELL, 2012, p. 164).
Ainda como presumiu Weber, são “normas obtidas pela elaboração lógica de conceitos, jurídicos ou éticos, fazem parte, no mesmo sentido que as ‘leis naturais’, daquelas regras universalmente compromissórias que ‘nem Deus pode mudar’ e às quais não deve tentar opor-se nenhuma ordem jurídica” (WEBER, 2004, p. 136). Apesar da reivindicação da transexual no julgado apresentar argumentos baseados em sólido ordenamento positivo e constitucional, sua base geral é fundamentada por uma racionalidade material que reconhece a natureza humana das questões jurídicas; não as torna direitos enquanto normas estabelecidas, mas normas enquanto direitos pré-existentes e, dentre todos eles, o direito urgente que toda pessoa sente em ser feliz.

“Permitir, pois, que o transexual viva, em plenitude, a sua vida, significa dar-lhe liberdade. Dar-lhe liberdade é desaferrar-lhe das amarras que o evitam ser feliz. E indivíduos felizes, independentes, são muito perigosos. Eles se armam com o amor, com o afeto, um material capaz de fazer revoluções, de se espalhar e destruir o capital, revolucionar as formas de convivência humana, atassalhar a moldura capitalista de uma sociedade amante do aparecer e inimiga do ser”. (JULGADO, p. 4)

Introdução à Sociologia - Aula 1.2
Karla Gabriella dos Santos Santana, 1º ano Direito - Diurno

Bibliografia:
SELL, Carlos Eduardo. “Racionalidade e racionalização em Max Weber”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 27, n. 79, jun/2012, pp. 153-172

WEBER, Max. Economia e Sociedade – Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol. 2. Brasília: Ed. da UnB: Imprensa Oficial, 2004.


VARA DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE JALES, Ação de Obrigação de fazer - Julgado


Weber, direito e novos direitos.

Para Max Weber, o Direito deve ser sistematizado, racional e não vinculado a um juízo de valor, o que ele chama de racionalidade formal.  Outro conceito a ser aplicado ao Direito, é o que ele chama de racionalidade material, que consiste em ações com um arcabouço de valores, interesses e ideologias de determinada classe, derivados de  uma razão, mas que não é pura. 

O caso da tutela antecipada de uma mulher trans para a  realização de uma cirurgia de transgenitalização além da alteração do prenome  e gênero nos documentos da parte autora (a mulher trans), julgado na Comarca de Jales, reflete essa percepção weberiana. 
A racionalidade formal é, segundo esse pensamento, refletida pelas leis que seriam neutras e aplicáveis igualmente para todos (princípio de isonomia). Entretanto, a maneira que são aplicadas, as interpretações feitas por parte de juízes, advogados refletem a racionalidade material, preocupada na realidade material. 

A espelho do julgado de Jales, a junção das duas realidades, muito expressa na realidade da jurisprudência brasileira, configurou na perspectiva de um novo direito quando, a partir de uma nova interpretação de uma norma ampla como o art. 13 do Código Civil e  outros artigos da Constituição Federal de 1988, configurando uma nova perspectiva da aplicação de direitos, reconhecendo "novos direitos". 


Giovanna Narducci Turoni - Direito Diurno. 

Da Prática à Teoria


              Em sua obra, Max Weber defende que a modernidade em que vivemos é formada por uma razão; esta ultima forja a sociedade que, por fim, cria um direito. Para Weber, essa razão se expressa por caminhos múltiplos de racionalidade - formal, material, teórica e prática- e se aplica satisfatoriamente ao campo jurídico. Sendo as duas primeiras as mais importantes, a formal é um tipo normativo, positivado e a material é aquela que se vale de inúmeros fatores (preferencias políticas, crenças, status social, etc) para se concretizar.
              Um exemplo disso está em um julgado da Comarca de Jales, interior de São Paulo, que mostra o caso de um transexual que pleiteia na justiça sua transgenitalização e a mudança de seu nome e gênero no registro civil, sustentando o argumento de que seu corpo biológico não se adequa as suas características psíquicas. Nesse sentido, o direito, por não ser um tipo ideal e possuir lacunas, não encontra na sua racionalidade formal leis previamente estabelecidas que regulem essa situação, fazendo-se necessário então o uso da racionalidade material. Por meio dela, o juiz pode construir sua sentença baseando-se em direitos fundamentais implícitos e nos valores que o requerente possuía e que formavam sua personalidade, tornando-a procedente.
              Além disso, outro ponto que merece ser destacado é que, no âmbito do direito, esses dois tipos principais de racionalidade constroem uma dinâmica que vai do material para o formal, ou seja, como a lei é formada por indivíduos possuidores de valores e interesses particulares ela não consegue ser generalizada e visar exclusivamente o bem comum. Entretanto, pode-se dizer que embora um direito formal, único e generalizado para todos seja uma utopia, casos como o citado acima, ajudam na construção de um direito mais plural e adaptado a realidade social contemporânea.

                Por fim, pode-se perceber que, como o direito cada vez mais tem sido construído da prática para a teoria, dos tribunais para a câmara, a desvalorização do poder legislativo e a parlamentarização do judiciário se acentuem, fomentando a necessidade de construir um equilíbrio entre as racionalidade formal e material quando aplicada à divisão de poderes.

Juliana Previato- 1ª ano direito noturno.

Utopia

Segundo Max Weber, a racionalidade do direito se daria mediante a observação de três princípios básicos: a) o direito, de uma perspectiva formal, deve abranger toda uma “constelação” de fatos concretos; b) através da lógica jurídica, deve ser possível encontrar soluções para essa “constelação” de fatos concretos com base nas disposições jurídicas abstratas vigentes; c) desse modo, o direito deve construir um sistema “sem lacunas”.

O caso julgado consiste em um “transexual que pleiteia cirurgia de mudança de sexo, bem como alteração do registro civil, para constar novo nome e modificação do sexo masculino para o sexo feminino. A parte-autora é do sexo masculino, porém não se sente confortável com seu sexo biológico. Desde os 7 anos de idade, percebeu que, psicologicamente, pertencia ao sexo feminino, situação que gerava desconforto e sofrimento. Aos 10 anos já se vestia com roupas ditas femininas e aos 15 se submeteu a tratamento hormonal. A parte-requerente passou por intenso acompanhamento psicológico até decidir que, apesar dos riscos, a cirurgia de transgenitalização representaria o fim do sofrimento causado pelo sentimento de inadequação.

O magistrado decide o caso em favor da parte-requerente utilizando-se de normas constitucionais e ordinárias como argumento favorável. Tendo em vista o art. 13 do CC - “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes” - a cirurgia é possível se exigida por um médico. Por ser encarada como uma patologia pela psiquiatria e psicanálise (mesmo o magistrado não concordando com esse fato), o transexualismo da parte-autora se encaixaria na disposição do artigo.

Outro argumento utilizado pelo magistrado é o direito humano e fundamental à identidade, mesmo que a questão do transexual não seja expressa no art. 5º da Constituição Federal. No entanto, o juiz afirma que é possível expandir as disposições desse artigo para abranger tal grupo. Isto demonstra claramente a utilização de um direito formal a partir de uma perspectiva material. Nessa situação, o magistrado não cria um novo direito, apenas expande a forma de um direito já existente.

Ademais, este argumento pode ser relacionado com a utilização do direito natural pelas classes para tentar mudar a sociedade: apesar de usado como instrumento formal de mudança, seus resultados sempre se dão em uma perspectiva material.

O caso julgado é um exemplo de que o direito racional em Weber é um tipo ideal. Ainda hoje o direito positivo é utilizado como meio de dominação, o que leva os grupos marginalizados a expandirem a forma através da luta material. Desse modo, o direito – como Weber já colocava – continua sendo dialético e sua racionalidade pura, uma utopia. 


Isabela Ferreira Sastre
1º ano Direito - Diurno

Por que nós cobrimos os espelhos?

Em 2014, a premiada roteirista Jill Soloway ( Six Feet Under) desenvolveu uma série para a Amazon sobre transexualidade. A história apresenta uma família judia que tem sua vida transformada quando a matriarca revela ser transexual. Maura (Jeffrey Tambor, de Arrested Development), tenta manter sua família unida e fazer com que eles aceitem quem ela sempre foi, embora tenha demorado para assumir sua real identidade de gênero. Filha de um psiquiatra que há cerca de quatro anos decidiu assumir ser um travesti, a criadora de Transparent não ficou chocada com a notícia, mas despertou nela um grande desconforto na visão tradicional sobre o que é masculino e o que é feminino atualmente.  Ganhadora do Globo de Ouro de Melhor Série de Comédia e vencedora de diversos prêmios Emmy na mesma categoria, a série conseguiu discutir com sensibilidade e delicadeza um tema complexo e complicado que ainda é muito carregado de estereótipos.

Nessa mesma vertente, o reality show ‘I Am Cait’ do canal E! apresenta a transformação de Bruce Jenner (ex padrasto de Kim Kardashian) para Caitlyn Jenner. Em uma de suas entrevistas, ela afirma que: ‘Se eu chegasse no meu leito de morte e tivesse mantido isso em segredo, eu estaria deitado lá dizendo ‘você estragou toda a sua vida’’.

Em fevereiro do ano que vem estreiará no Brasil o filme ‘A Garota Dinamarquesa’ ( The Danish Girl). Segundo a sinopse conta a história da cinebiografia de Lili Elbe (Eddie Redmayne), que nasceu Einar Mogens Wegener e foi a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de gênero. Em foco o relacionamento amoroso do pintor dinamarquês com Gerda (Alicia Vikander) e sua descoberta como mulher. Apesar das críticas de sua primeira exibição em Veneza, o filme conseguiu ser contemporâneo, pois mostra as dificuldades de afirmação dos direitos dos transexuais e o estigmatização ,ainda muito presente.

A famosa modelo Lea T que recentemente passou pela cirurgia de transgenitalização, Thammy Miranda que há poucas semanas retirou os seios por meio, também, de um processo cirúrgico e Laverne Cox, a primeira transgênero a aparecer na capa da revista Time são outros exemplos que representam a luta pela questão.

Se no plano midiático sobram exemplos de pessoas que não se identificam com seu sexo biológicamente concebido, no âmbito jurídico, o caso da semana reflete justamente essa questão discutida.

Na comarca de Jales, por meio de uma Tutela antecipada, uma transexual pleiteava a cirurgia de mudança de sexo, bem como alteração do registro civil, para constar novo nome e modificação do sexo masculino para o sexo feminino. Desde de criança, a requerente não se identificava psicologicamente com o seu corpo masculino e ao longo dos anos passou a sofrer transtornos depressivos e preconceitos sociais. Os conselhos federais de medicina e psicologia não consideram a transexualidade uma patologia, mas sim um modo de ser característico de certas pessoas. A questão deve ser encarada como um problema social e não patológico 

Analisando pela perspectiva Weberiana, percebe-se que o autor constrói a realidade de forma racional por meio de processos racionalizastes. A burguesia se apropriou do direito para formatar essa modernidade. Em se tratando de racionalidade, ela pode ser expressar ,para Weber, de duas maneiras. A primeira é a racionalidade formal que se apresenta por ações calculáveis e já previstas, além de se estabelecer no plano normativo. A segunda é a racionalidade material que essencialmente é formada pela razão, mas apresenta uma grande carga valorativa determinada de forma individual ou coletiva. A racionalidade teórica construída por ideias abstratas e a racionalidade pragmática que almeja uma finalidade, também podem ser constatadas.

Um dos postulados mais importantes de Weber é o fato do direito sempre partir da racioalidade formal para a material. Além disso, as ações abstratas devem ser aplicadas em questões concretas, para assim construir um direito sem lacunas, sem casuística ou qualquer outra restrição. O direito deveria ser um sistema universal de normas que abrangesse a todos os indivíduos de um determinado território.

Quando aplicamos a dialética weberiana no caso julgado, percebemos a transição da racionalidade formal para a material, pois há o reconhecimento de vários direitos às minorias. Além disso, percebe-se o uso da jurisprudência como meio de garantir a autora o direito à identidade, liberdade, igualdade, privacidade e dignidade humana. Desconstruindo, portanto, a padronização do conceito limitado de família, que não corresponde com a realidade.


Enfim, por que cobrimos os espelhos ou, melhor cobrimos nossos olhos para uma questão que deveria ser tratada de forma tão natural e ordinária. Afinal, o que eles mais querem é serem felizes  e estar bem consigo mesmos em suas verdadeiras identidades e gêneros.


Arthur Resende - 1º ano Direito - Noturno