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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Classe A, B, C ou D.

As cotas fazem parte do sistema de educação brasileiro, cujo centro, ou cérebro, é o Governo Federal. É, portanto, uma escolha como tantas outras que se faz neste sentido, sendo necessário considerar sua concepção enquanto ato de um processo, muito mais amplo. Uma das primeiras críticas que há sobre o sistema é quanto aos alunos que ingressam por meio deste mecanismo institucional, que supostamente não são "adequáveis", estão despreparados. A implantação deste sistema, sendo generalizada, propicia um amplo campo de estudo quanto a este efeito, se tornando clara a negativa quanto à sua ocorrência. Aliás, pelo contrário, os números de desistentes nas vagas de cota são inferiores aos de ampla concorrência.
Não produzo este texto para desmentir ou confirmar as críticas ao sistema de cotas, nem para definir suas características, sendo que, na verdade, estive muito mais à vontade para falar e refletir sobre o assunto no debate em sala de aula, pois é necessária a intervenção de várias vozes e a consideração de diversos fenômenos do sistema educacional, mas brevemente apresentarei o fenômeno que acredito que ocorrerá que nomeio "a elitização das cotas".
Dentro do universo das escolas públicas, e não são poucas, claros estão os problemas, mas muito difusas suas soluções. Fato é que aqueles alunos que acessam o Ensino Superior Público, advindos de escolas públicas ou particulares, são parte da elite intelectual, pois as vagas neste são muito poucas se comparadas com as de Ensino Médio. Esse é um problema insolúvel, por razões que aqui não demonstrarei, mas que precisa ser considerado. Assim, quem entra pelas cotas também faz parte da elite. É estranho chamá-los de elite, pois por conta da formação institucional e social brasileira, elite é sinônimo de elite econômica. Mas o são. O grosso da população das escolas públicas continuará excluído.
Dentro disto, ocorre um "êxodo" dos alunos da escola particular para a pública, procurando possibilitar com maior facilidade seu acesso à Universidade Pública, acentuando ainda mais este fenômeno. Pode ocorrer de que esses alunos fortaleçam o Ensino Público, incutindo um sentido de importância social e prática (do dia-a-dia) da educação e do conhecimento, e isso apenas a experiência e o tempo poderá mostrar, mas não é possível que possamos (aqueles que estejam interessado na melhora e alcance efetivo da escola pública) ficar esperando que isso aconteça, sem discutirmos, no que interessa à Ciência do Direito, as mudanças ou revisões que podem ser feitas por este. Alguns problemas, depois de iniciados, são muito difíceis de serem refreados. Digo isto pois, observando a formação das salas de aula de uma escola em específico, sendo possivelmente um fenômeno recorrente, é possível identificar que estão dispostas de A até (X), sendo que o contato entre alunos que têm esse "ideal" em relação à educação e daqueles que não têm é muito baixa, pois a definição de quem estará na classe A, B, C ou D perpassa por uma escolha que leva em conta, justamente, este ideal. Quem sabe, num futuro de médio prazo, não teremos realmente escolas públicas de qualidade, onde os filhos dos ricos também lá estarão. Continuarão divididos em A, B, C ou D...

Cotas, Direito e Emancipação Social

            A incorporação de cotas raciais e sociais pelas grandes universidades do país, nos últimos anos, intensificou o debate acerca da necessidade, possibilidade e constitucionalidade da existência dessas, dividindo a opinião da sociedade, de um modo geral, e de estudiosos de diversas áreas, principalmente juristas e sociólogos.
            Diante disso, a análise do pedido de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pelo Partido dos Democratas, com o intuito de declarar inconstitucional a implementação de vagas reservadas a cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB), e seu respectivo julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é de extrema importância, pois traz à tona argumentos consistentes favoráveis às cotas e argumentos, nem tão sólidos, contrários a elas, como a inconsistência do Tribunal Racial para julgar quais cotistas preenchem os requisitos, o risco de se adotar uma política compensatória com base em fenótipos num país de extrema miscigenação e a possibilidade de as cotas expandirem o racismo dentro e fora das universidades.
            Entretanto, a necessidade da criação de cotas sociais e raciais é evidente num contexto de pós-modernidade e crise do Contrato Social, como descreve Boaventura de Souza Santos no texto “Poderá o Direito ser Emancipatório?”, onde a instabilidade social,  predomínio dos valores econômicos e a crescente exclusão social provocaram o surgimento de uma subclasse de excluídos, com pouca ou nenhuma perspectiva de inclusão e com o acesso às zonas civilizadas e aos serviços dos quais os outros setores mais favorecidos da sociedade usufruem cada vez mais dificultados, num constante processo que o autor denomina de Fascismo Social.

            Sendo assim, o Direito assume o seu papel de instrumento da Dialética da Mudança Social e seu caráter emancipatório ao possibilitar o ingresso de grupos sociais marginalizados em espaços anteriormente ocupados única e exclusivamente por uma elite econômica e racial. No entanto, é válido ressaltar que as cotas devem ser encaradas como medidas reparatórias temporárias, uma vez que somente a melhoria do sistema educacional pode proporcional a legítima igualdade de acesso a todos e a verdadeira inclusão social, demonstrando que apenas a luta pelos direitos integrada a luta política pode resultar em mudanças efetivas.

Cotas e Fascismo Social

No ano de 2009, o Partido dos Democratas solicitou ao Poder Judiciário um pedido de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de suspensão liminar da eficácia dos atos do poder público. Esta ação estava direcionada à impedir a abertura de vagas reservadas à cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB).
A discussão sobre cotas teve grande repercussão no país inteiro, e se encaixa em muitos aspectos nas teorias sociológicas desenvolvidas por Boaventura de Sousa Santos.
A razão para a proposição da ADPF é o fato de os Democratas considerarem a implementação das cotas como uma inconstitucionalidade, pois, segundo eles, feriria à diversos princípios da Constituição, principalmente ao da igualdade de todos os cidadãos, já que os cotistas teriam vantagem na pontuação final do vestibular.
No entanto, a ideia da inserção das cotas é válida, já que reflete a necessidade da sociedade brasileira de se despir dos preconceitos que a caracterizam há séculos, como herança da sociedade escravagista durante a colônia. A população negra, desde então sofre discriminações que culminaram, na atualidade, com sua exclusão social, segundo os moldes do Pré-contratualismo de Boaventura, onde determinados grupos sociais são excluídos de seus direitos de participação, de modo são percebidos pelos demais como se não fossem cidadãos.
Assim, surge a chamada subclasse de excluídos, que ele denomina “Terceiro Mundo Interior”, e também o Fascismo Cultural, que se manifesta como um “Apartheid social”, onde os negros são excluídos, e sofrem até mesmo isolamento geográfico.
Os argumentos dos Democratas não se sustentam, por diversas razões. Eles defendem que as cotas incitariam o preconceito nos brasileiros, e que ela seriam prejudiciais à identidade brasileira, onde todos os brasileiros são frutos da miscigenação, e por isso, são todos iguais.

O que realmente acontece é que as cotas são uma medida de justiça compensatória, que busca reparar aos séculos de discriminação que a população negra sofreu, durante a história do Brasil. Assim, elas são um meio de garantir a mesma oportunidade para todos, já que a maioria da população brasileira é composta por negros, de modo que se possibilite a diminuição do elitismo das universidades brasileiras, e, consequentemente, do mercado de trabalho. Por esta razão, as cotas realizam a igualdade material, e procuram reduzir, na sociedade brasileira, os impactos do Fascismo Social. 

Maria Luiza Rocha Silva - 1° ano  Direito - Diurno - Turma XXXI
Direito Emancipatório Dentro das Universidades

Boaventura Sousa Santos,  em seu artigo "Poderá o Direito ser Emancipatório?" define o período atual como um período de transição, caracterizado pela disputa entre a minoria dominante e a maioria excluída. No caso apresentado, em que um partido político entra na justiça contra o sistema de cotas, é possível perceber essa luta entre dominantes e dominados.
O partido Democratas entra com ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental e com pedido de suspensão de liminar dos atos que resultaram nas cotas raciais na Universidade de Brasília UnB, alegando inconstitucionalidade baseada nos arts. da Constituição Federal:
·         1º, caput (princípio republicano) e inciso III (dignidade da pessoa humana)
·         3º inciso IV (veda preconceito de cor e raça)
·         4º inciso VIII (repúdio ao racismo)
·         5º  inciso I (igualdade), II (legalidade), XXXIII (direito a informação dos órgãos públicos), XLII (combate ao racismo), LIV (devido processo legal - princípio da proporcionalidade)
·         37 caput (princípios da legalidade, da impessoalidade, da razoabilidade, da publicidade e da moralidade, corolários do princípio republicano)
·         205 (direito universal a educação)
·         206 caput e inciso I (igualdade nas condições de acesso ao ensino)
·         207 caput (autonomia universitária)
·         208, inciso V (princípio meritocrático)

Segundo os requerentes, a ação não questiona o fato do Brasil adotar o modelo de Estado Social, nem a existência de racismo e preconceito mas sim, se a adoção de um modelo de Estado Racializado ou de um Racismo institucionalizado é a melhor maneira para resolver as desigualdades.
A separação das pessoas em raças definidas é impossível devido a ausência de critérios plausíveis e imparciais e ao fato de o Brasil ser o segundo país com maior carga genética africana do mundo (ficando atrás apenas da Nigéria). Além disso, segundo pesquisa genética realizada por líderes negros brasileiros sobre a ancestralidade do brasileiro, verificou-se que a genética não é determinante da aparência, sendo possível um "negro na aparência" possuir maior ascendência genética europeia do que africana. Para completar o Supremo Tribunal Federal nega da existência de diferentes raças, raça é uma só, humana. Segundo o geneticista Craig Venter "raça é um conceito social, e não científico"
O documento afirma que por mais que haja minorias, nem todos os atos de inclusão se aplicam a todas elas, alguns podem ser classificados como inconstitucionais, como inclusão de raças. Além  disso, a arguição afirma que no Brasil, o fator racial não é decisivo para a vedação do exercício do direito, entretanto o fator econômico é. Segundo pesquisas, os negros são os que mais sofrem com a exclusão econômica.
Os Democratas entram com um pedido cautelar de suspensão da matrícula dos alunos, cotistas e não cotistas, aprovados no último vestibular que, no caso, ocorreu no primeiro semestre de 2009 e aplicar a classificação universal.
A postura adotada pelo partido pode até ser interpretada como de boa intenção, visto que aponta o princípio da compensação como fator principal para as cotas raciais; todavia, a principal motivação da ação movida contra a Universidade de Brasília UnB é o fascismo social, que exclui as pessoas em "zonas" das quais não devem sair por questão de ordem social.
O Supremo Tribunal Federal julgou totalmente improcedente a arguição, baseado no princípio da igualdade material, que é prestigiado com políticas de inclusão. Essas políticas tem por objetivo incluir os membros da sociedade civil incivil e da sociedade civil estranha  na sociedade civil íntima, garantindo assim a diminuição da exclusão social.
O pedido de liminar também foi negado pela Procuradoria Geral da República e a Advocacia Geral da União também se manifestou a favor das cotas raciais para negros e índios.
Agindo dessa maneira, tanto o STF quanto a Procuradoria Geral da República e a Advocacia Geral da União atuam a favor do cosmopolitismo subalterno, que luta contra a exclusão social e para a erradicação do fascismo social
A sociedade atual fragmentada, dividida em muitos apartheid e polarizada em eixos econômicos, sociais, políticos e culturais. O fascismo do apartheid social acontece na distinção entre áreas urbanas "civilizadas" e "zonas selvagens", como por exemplo um condomínio fechado e uma favela. A universidade nesse caso é compreendida como uma zona de contato, em que "civilizados" e "selvagens" se encontram. Segundo Boaventura, quando esses encontros acontecem pode haver quatro diferentes situações:
·           Violência: quanto o encontro causa a submissão de uma cultura e o domínio da outra
·         Coexistência: quando cada cultura se desenvolve separadamente e os contatos são desencorajados ou proibidos (apartheid cultural)
·           Reconciliação: quando o objetivo é sanar antigas ofensas( justiça restauradora). "Por esse motivo, deixa-se que os desequilíbrios de poder herdados do passado continuem a reproduzir-se sob novas capas" (p.45)
·           Convivialidade: reconciliação voltada para o futuro, com o objetivo de sanar problemas passados e garantir o bem estar e a boa convivência de ambos os lados no futuro

No caso da UnB, a instauração do "tribunal racial" para determinar quem de fato seria negro, somado ao requerimento de suspensão de matrícula dos ingressantes e arguição de descumprimento de preceito fundamental do DEM são classificadas como reações de coexistência pois apresentam uma divisão dos alunos entre cotistas e não cotistas, negros e não negros.

Yeda Crescente Mela, 1º dir.diurno

O Direito como Forma de Emancipação, a Dialética de Mudança Social e as Cotas Raciais nas Universidades

Trata-se do caso em que o Partido Democratas impetrou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) perante o Supremo Tribunal Federal, para efeito de controle de constitucionalidade da lei que institui as Cotas Raciais na Universidade de Brasília (UnB).

Para tanto, o Partido mune sua petição inicial com diversos artigos da Constituição Federal – nos quais constam os denominados preceitos fundamentais – que estariam, supostame nte, sendo violados. Dentre esses preceitos estão o princípio meritocrático, o repúdio ao racismo e à discriminação, a legalidade, a igualdade e os princípios da República Federativa do Brasil, quais sejam a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a efetividade.

Entretanto, essa ação foi julgada improcedente, tendo a sentença se fundamentado, principalmente, no princípio da IGUALDADE MATERIAL, que consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam”, e ainda no princípio da PLURALIDADE DE IDEIAS e da JUSTIÇA SOCIAL.

Assim, é dever do Estado garantir a inclusão social e a diminuição das desigualdades através de ações afirmativas que estabeleçam vantagens para determinados grupos desprivilegiados ATÉ QUE se alcance a igualdade de fato (é importante enfatizar a questão da temporariedade da ação), garantindo, dessa forma a justiça social. Além disso, constitui-se em um dos fundamentos da República do Brasil, a pluralidade, que deve, sempre que possível, ser garantida.

Dessa forma, encontrando-se diante de um conflito entre princípios constitucionais, o STF se utilizou  de um método de interpretação constitucional que admite a ponderação de interesses, sendo que não existem normas constitucionais inconstitucionais, mas normas axiologicamente mais importantes que outras. Nesse caso concreto, o valor preponderante foi o da igualdade material em conjunto com a Justiça Social.

Nesse contexto, e analisando o texto “Poderá o Direito ser Emancipatório?” do Boaventura de Sousa Santos, é possível perceber que o STF se valeu de uma das formas de emancipação social e inclusão dos grupos mais desfavorecidos no chamado contrato social. Através do Direito, foi possível a inclusão de um grupo de pessoas que talvez jamais chegaria ao Ensino Superior (que dirá em uma universidade que qualidade), permitindo que esse grupo se ascenda e se equipare às classes mais altas.

 O Supremo Tribunal Federal se utilizou, por vezes, dos mesmos dispositivos que a parte contrária, porém com uma interpretação diversa, muito mais pautada na máxima efetividade dos princípios constitucionais e na ponderação de interesses do que na formalidade e interpretação meramente gramatical dos artigos, conseguindo, assim, garantir o papel emancipatório do Direito que visa a construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Letícia de Oliveira e Souza – Direito Matutino